O que é a fome?
A pergunta parece ridícula e a resposta óbvia, mas na medida em que quase 30% da população brasileira passa fome ou lida com a falta de alimentos em alguma medida, é preciso trazer o óbvio à mesa, com o perdão do trocadilho.
De acordo com o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (ONU/FAO, 2023), 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada e 21,1 milhões de pessoas no país passaram por insegurança alimentar grave, caracterizado por estado de fome. Isso significa sentir fome e não comer por falta de dinheiro para comprar alimentos. Ou fazer apenas uma refeição ao dia, ou ficar o dia inteiro sem comer. Você já pensou nisso?
A fome no Mundo
A fome no mundo é um problema crônico e endêmico na África e em algumas regiões da Ásia e América do Sul. Embora o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleça que todo o ser humano tem direito à alimentação. Neste sentido, a Organização das Nações Unidas estabeleceu um pacto internacional entre os países membros para acabar com a fome até 2030. Entre os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, o ODS 2 está ligado ao tema. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável é o objetivo pactuado entre as nações.
A fome no Brasil
No Brasil, a meta é erradicar a fome e garantir o acesso a alimentos seguros, culturalmente adequados, saudáveis e suficientes até 2030. O objetivo está voltado à todas as pessoas, especialmente àquelas em situação de vulnerabilidade, incluindo idosos e crianças.
A Lei nº 11.346 de 2006 criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Nela, o artigo 3º estabelece que a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos. Também determina que os alimentos sejam de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. E, ainda, que tenham como base práticas alimentares promotoras da saúde. Além disso, tais práticas devem respeitar a diversidade cultural e serem ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
O que significa insegurança alimentar?
De acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), a segurança alimentar é quando a família/domicílio tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. A escala classifica como insegurança alimentar (IA) leve quando houver preocupação ou incerteza em relação ao acesso aos alimentos no futuro; qualidade inadequada dos alimentos resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos. Já a IA grave acontece quando a redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante de falta de alimentos.
Um problema multidimensional e complexo
A insegurança alimentar está intimamente ligada a fatores sociais, demográficos, econômicos, políticos e culturais. Por exemplo, o emprego formal está associado à segurança alimentar por garantir maior estabilidade financeira. Ou seja, a precarização dos direitos trabalhistas, o desemprego, a informalidade, a uberização do trabalho também afetam a questão da segurança alimentar. Além deles, nível de renda, grau de escolaridade e local de moradia também influenciam. O tema pode ser debatido até mesmo do ponto de vista da questão de gênero, uma vez que cresce no Brasil o número de mães solo, únicas responsáveis pela alimentação de seus filhos.
Deserto alimentar e racismo ambiental
O conceito de deserto alimentar refere-se a regiões geográficas com baixa ou nenhuma oferta de alimentos in natura e saudáveis. Ou seja, uma região onde os moradores só têm acesso a alimentos processados. Alimentos processados são provenientes da indústria alimentícia e em geral contém conservantes e outros produtos que fazem mal à saúde. Por serem produzidos em larga escala, têm seus preços mais acessíveis à população de baixa renda. No entanto, consumir alimentos processados afeta vários aspectos da saúde. É, portanto, um conceito a ser debatido também no âmbito do racismo ambiental, uma vez que há uma segregação espacial de oferta de alimentação saudável em determinadas áreas onde o nível socioeconômico é menor.
Um problema que a afeta o futuro de todos
Na primeira infância, período entre 0 e 6 anos de idade, o impacto da insegurança alimentar tem consequências de longo prazo. É nesta fase que o cérebro se desenvolve mais complexa e rapidamente. A falta de alimentação saudável ou mesmo a total falta de alimentação afetam todo o desenvolvimento físico e cognitivo. Entre os efeitos da insegurança alimentar está a apatia, atenção, demora na aquisição de linguagem, problemas de memória entre outros. Ou seja, o impacto no desenvolvimento educacional é severo e pode comprometer todo o futuro de uma criança. Uma vez que o nível educacional afeta também a renda, cria-se um ciclo perverso de pobreza.
A justiça alimentar e a soberania alimentar
O tema da justiça alimentar não é menos complexo, uma vez que para garantir direitos e equilibrar as desigualdades sociais, seria preciso regular a indústria alimentícia. Além disso, envolve garantir a execução de políticas públicas e participação cidadã na promoção de agricultura local, saudável. Embora o Brasil esteja entre os maiores produtores de alimentos do mundo, não consegue ter soberania alimentar. Isto porque a produção e exportação de soja, feijão, milho, frutas e carne bovina é atividade concentrada na mão de poucos latifundiários. Tais produtos são exportados, ou seja, não ficam no país e não contribuem para reduzir a insegurança alimentar local. Além disso, muitos são justamente vendidos para a indústria alimentícia processar. Enquanto que os alimentos mais saudáveis, produzidos por agricultura familiar ou comunitária, precisam de incentivos fiscais e apoio de políticas públicas.
Iniciativas para acabar com a fome no mundo
A partir de uma ideia do chef e empreendedor social David Hertz, fundador da Gastromotiva, o Social Gastronomy Movement é uma rede internacional com mais de 350 organizações em 60 países que usam o poder da comida para transformar realidades.
Iniciativas para acabar com a fome no Brasil
Ação da Cidadania
Fundada em 1993 pelo sociólogo Betinho, há 30 anos atua no combate à fome e à pobreza por meio da mobilização de recursos e distribuição direcionada em projetos como o Brasil sem Fome e o Natal sem Fome. Em 2022, a ong realizou o Encontro contra a fome, reunindo durante 3 dias pesquisadores, especialistas, organizações da sociedade civil e movimentos sociais para debater causas, consequências e soluções para a fome. Como resultado do encontro, foi elaborada uma carta com 10 medidas prioritárias para vencer a fome.
Gastromotiva
De acordo com o site da Gastromotiva, ela foi fundada em 2006, pelo chef e empreendedor social David Hertz. A Gastromotiva é uma organização que oferece formações profissionais para que seus alunos se tornem empreendedores, auxiliares e chefs de cozinha, replicadores da sua metodologia. Além de despertar em muitos deles a vontade de se tornarem mobilizadores comunitários, que gerem oportunidades locais e ações de combate à fome em seus territórios. São múltiplos impactos, utilizando a gastronomia como ferramenta de transformação social e combate ao desperdício. Somando 15 anos de experiência e vivência da Gastronomia Social no Brasil e mundo, a ONG contribui para a transformação de vidas nos locais em que atua e cada vez mais amplia sua visão e ação global de cooperação com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Instituto Dara
Trabalhar com famílias em situação de vulnerabilidade é reconhecer que, na fome, existem níveis distintos de insegurança alimentar que precisam ser enfrentados. Com o mapeamento da insegurança alimentar e com o voucher, criamos um plano de ação personalizado para cada família. Aqui, educação nutricional e educação financeira caminham juntas: dividir para multiplicar, fazendo o possível dentro de cada realidade. Entre as famílias atendidas, de 2021 a 2023, 89% das crianças de 0 a 6 anos apresentam questões ligadas à insegurança alimentar. Orientar as famílias para a otimização da compra de alimentos com maior valor nutricional e conscientizar sobre o aproveitamento integral de alimentos está entre os desafios da equipe do Instituto Dara.
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