A médica Vera Cordeiro, fundadora do Instituto Dara, costuma comparar o atendimento multidisciplinar do instituto ao trabalho de uma orquestra, em que cada especialista é um músico que precisa desempenhar sua função em harmonia com os demais, sobre a mesma partitura, com o mesmo objetivo comum.

Dentro dessa perspectiva, das cinco áreas do Plano de Ação Familiar (PAF) — Saúde, Moradia, Renda, Educação e Cidadania — a de Cidadania funciona como o condutor. Ela é responsável pelas famílias atendidas em todas as etapas do processo, do acolhimento à despedida, ajustando o ritmo e atenta para que nada dê errado no caminho.

A equipe de Cidadania é formada por assistentes sociais que contam com o auxílio de um grupo de advogados voluntários para casos com necessidade de judicialização. São as pessoas que dão o primeiro aperto de mão e o primeiro abraço nas famílias que chegam ao Dara nas manhãs de segunda a quinta-feira, encaminhadas pelas instituições parceiras.

Sem saber o que fazer para solucionar problemas, que podem ser desde a falta de documentos para acessar programas públicos de transferência de renda a adquirir medicamentos indisponíveis no Sistema Público de Saúde, as famílias encontram apoio e orientação no Instituto Dara.

Além de conduzir o atendimento, o time de Cidadania compartilha com mulheres negras periféricas, em geral as responsáveis pela família, que elas são pessoas portadoras de direitos civis, políticos e sociais. Ter uma vida digna para si e para sua família é um direito.

“Muitas mulheres chegam aqui sem se enxergar como cidadãs que têm seus direitos, tamanha a invisibilidade em que se encontram. São invisíveis para a sociedade, nunca são ouvidas e têm suas individualidades apagadas”, afirma Katiane Alves, assistente social da área de Cidadania.

Onde mora a cidadania
Uma das medidas básicas dos primeiros atendimentos da Cidadania é orientar e dar suporte sobre como a família pode se inscrever no Cadastro Único do Ministério da Cidadania, exigência para que a família tenha acesso aos programas de assistência social e distribuição de renda do governo.

Muitas famílias nem sequer sabem que têm esses direitos básicos. Ou, se sabem, ficam assustadas com a burocracia ou moram em localidades pouco assistidas pelo poder público e não fazem ideia de onde ir ou quem procurar para ter acesso aos benefícios.

O acesso à internet é outra barreira. Muitas famílias não têm acesso; e outras não têm intimidade com a tecnologia. Em alguns casos, o analfabetismo é o obstáculo básico para o acesso à informação. No Instituto Dara todas essas barreiras são transpostas com a orientação às famílias, para que saibam como acessar seus direitos.

Exercer a cidadania não é só falar em direitos, mas também deveres. O Cadastro Único, por exemplo, precisa de atualização anual para que os benefícios sejam mantidos. As famílias são instruídas com instrumentos e informações suficientes para lidar com o processo depois que o atendimento no Instituto Dara termina, como estar com os documentos em dia — outra demanda básica que eles chegam com dificuldade para conseguir.

A partir daí, é possível inscrever a família em programas federais como o Bolsa Família, que dá direito à renda básica, e o Benefício de Prestação Continuada, para idosos e pessoas com deficiência de qualquer idade, ou mesmo benefícios estaduais e municipais de complementação de renda e transporte gratuito, por exemplo.

Outra função importante da Cidadania é a assessoria jurídica para casos que fogem do alcance da assistência social. A cada mês, um escritório de advocacia parceiro coloca à disposição um grupo de advogados que, em regime de mutirão, atendem as famílias acolhidas pelo instituto.

Essa equipe é preparada para prestar qualquer assistência legal, desde tirar dúvidas jurídicas simples de um contrato ou intimação até advogar gratuitamente em causas como pedidos de pensão alimentícia ou demanda por um exame ou tratamento caro que o sistema público de saúde deveria oferecer gratuitamente e não o faz.

O impacto da empatia

Tudo isso é feito aos poucos, enquanto a família é amparada pelas demais áreas do PAF, de acordo com suas necessidades específicas. Para isso, existe um método.

Um ano depois do acolhimento e do plano inicial de atendimento, a família faz a chamada entrevista de reflexão para expor os avanços e os desafios ainda pendentes. Nesse encontro também são traçadas metas para a continuidade do atendimento, com as correções de rumo necessárias.

O simples ato de escutar a mãe que entra no instituto pedindo ajuda já causa impacto positivo. Ela normalmente está exausta, cansada pelos problemas — fome, desemprego, saúde debilitada, conflitos familiares —, mas também por não ter com quem dividir a carga.

Quando ela se limita aos problemas que precisa resolver, fica invisível. Parte fundamental do trabalho é resgatar a autoestima dessa mãe, fazendo-a se perceber como cidadã e se apropriar de sua cidadania nas múltiplas dimensões.

Ser cidadão é sentir-se parte de uma sociedade, ter consciência do que é ser um sujeito de direitos — civis, políticos, sociais e humanos. É saber de seus deveres e responsabilidades enquanto parte integrante do coletivo.

Muitas famílias chegam ao Dara com questões de vínculos rompidos, sejam eles comunitários e/ou familiares. Parte do trabalho do serviço social é trabalhar as questões relacionadas aos vínculos.

Trabalhar a autoestima e o protagonismo é, desta forma, parte importante do processo da (re)construção cidadã desta mulher. Como consequência, ela passa a cuidar de si para poder cuidar de sua família.

No fim do processo, que pode durar até dois anos, há uma cerimônia de encerramento. É um último atendimento marcado no mesmo espaço em que a família foi recebida pela primeira vez. Os profissionais de todas as áreas do PAF e as famílias em atendimento presentes no momento são chamadas para ouvir a família que se despede.

Quando tudo corre como o planejado, as expressões mais comuns nesses relatos são: “Estou pronta, estou preparada, estou fortalecida”. Essas famílias estão, de fato, prontas para seguir.

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