Artigo de autoria de Suzana Pádua, Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), originalmente publicado em educacaoambiental@faunanews.com.br.

Quando trabalhamos questões socioambientais com comunidades, a ideia é sensibilizá-las integrá-las de modo que participem efetivamente das decisões que as afetam. Visamos empoderar as pessoas locais para que tenham mais chances de promover ações que tragam melhorias de vida humana e também à conservação da biodiversidade, ainda muito presente nas regiões onde atuamos (refiro-me ao IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas). Aprendemos ao fazer e as reflexões sobre o que tem sido eficaz resultaram em uma tabela explicativa.

A numeração é propositalmente de baixo para cima para assemelhar-se a uma construção que é realizada conjuntamente com os participantes, etapa por etapa, como tijolos colocados um a um. As duas colunas simbolizam os dois lados do cérebro, racional e objetivo à esquerda e intuitivo e de valores à direita, que são trabalhados conjuntamente para que haja envolvimento, pertencimento e empoderamento individual e coletivo. Ou seja, o ser humano precisa ser tratado integralmente, pois é dessa forma que muitos passam a assumir seu papel protagonista, descobrindo que são capazes de liderar projetos independentemente de líderes externos.

Essa é a situação ideal porque, além das pessoas mostrarem-se prontas para novos desafios, também aumentam as chances de continuidade e fortalecimento das iniciativas. Percebemos que quando alguém se percebe capaz de mudar uma realidade indesejada, ela tem chances de seguir resolvendo questões variadas, assumindo suas próprias escolhas, sem depender de que outros o façam.

Etapas da abordagem participativa

As etapas não são necessariamente lineares, mas as explicações estão a seguir:

1. Identificação dos problemas ou temas a serem trabalhados – Nesta etapa levantamos as expectativas e as necessidades regionais, razão da importância da participação dos diversos segmentos sociais. Pessoas externas são capazes de trazer experiências de outras realidades e os pesquisadores enriquecem a troca de ideias com base em conhecimentos pertinentes a contextos locais. Todavia, é a sociedade local que precisa buscar suas próprias soluções e meios de implementar o que considera prioritário. A responsabilidade passa a ser de todos e valores como respeito, empatia e receptividade são cruciais para a construção de novas realidades com base nos anseios de todos.

2. Reflexão sobre os potenciais e as riquezas locais – Esta etapa inclui aspectos humanos, culturais e ecológicos. A autoestima e o orgulho são comumente baixos em comunidades rurais ou em regiões muitas vezes sem privilégios e afastadas dos grandes centros, já que nem sempre têm a oportunidade de exercerem o papel de agentes de mudanças. A valorização de aspectos locais, como espécies raras e endêmicas, elementos naturais, tradições culturais como festas folclóricas, costumes, expressões artísticas e conhecimentos regionais podem despertar orgulho, elevar a autoestima e fortalecer a autoconfiança, ajudando as pessoas a acreditarem em sua própria capacidade de agir em prol de um ideal comum. A motivação individual é um passo indispensável para desencadear um interesse de se trabalhar pelo coletivo, ampliando as chances de mudanças e promovendo protagonismos fortalecidos nos envolvidos.

3. Idealização de sonhos ou a definição dos objetivos a serem alcançados – Aqui o exercício é visualizar a solução ideal para os problemas identificados. Infelizmente, muitas pessoas que não foram estimulados antes não ousam sonhar, o que exige um incentivo anterior para que se pense soluções para problemas reais. Os sonhos passam a ser um ponto de partida para que os participantes trilhem caminhos a serem percorridos. Esta fase estimula a criatividade, a intuição e a afetividade, elementos que podem contribuir para inspirar situações ideais.

4. O desenvolvimento de estratégias – Esta etapa só é possível quando se sabe onde se quer chegar e por isso idealmente ocorre apenas após as três fases anteriores. Os sonhos servem de base para se identificar o que pode ser implantado em direção ao alcance dos objetivos traçados, tornando mais claro quais os passos que levam dos problemas às situações desejadas, preferencialmente a partir das potencialidades locais. Os valores correspondentes para esta fase compreendem humildade (porque as soluções muitas vezes não vêm do líder), entusiasmo, ousadia e persistência. A responsabilidade pela implantação das estratégias definidas pode ser assumida individual ou coletivamente, dependendo do processo de criação e do grau de interesse dos participantes.

5. A busca por parcerias – Esta etapa visa fortalecer as propostas e as possibilidades de implantação das estratégias identificadas. Quando essas parcerias são locais, aumenta-se a chance de concretização e a valorização do que é regional, com agentes de mudança participantes dos processos, os fortalecendo por serem parte das soluções propostas. A solidariedade e a cooperação são os valores mais preponderantes nesta fase, com atenção especial para se evitar a dependência em lideranças ou o controle de determinados indivíduos ou instituições sobre outros.

6. Avaliação e acompanhamento – Estes são procedimentos fundamentais para se refletir sobre os processos percorridos, facilitando ajustes e melhorias no decorrer da implantação das estratégias criadas. Tais procedimento evitam que se descubra que algumas estratégias não produziram efeitos somente após terem sido implementadas. Com avaliação é possível detectar falhas que podem ser ajustadas, evitando desperdícios de tempo, energia e recursos. As informações obtidas em geral contribuem para a credibilidade das iniciativas, o que ajuda na obtenção de recursos, na disseminação dos resultados e na retroalimentação dos envolvidos. Quando os participantes compreendem o que foi bem sucedido e quais os passos que necessitam de mudanças, lidam com valores como flexibilidade, altruísmo, poder de transformação e de renovação, além de humildade, pois há sempre a possibilidade de se descobrir que os resultados não são tão eficazes quanto se esperava.

Mesmo que esta metodologia tenha sido concebida para o Pontal do Paranapanema (SP), região onde iniciei minha trajetória em educação ambiental e que até hoje é um grande laboratório vivo de aprendizado para o IPÊ e outros, é preciso destacar que a abordagem já foi adotada com sucesso em diversos contextos. Não se trata de uma receita com etapas rigidamente preestabelecidas, uma vez que é a própria comunidade que identifica os passos a serem dados. Os resultados alcançados refletem, assim, os diferentes anseios e o perfil cultural das diversas realidades onde se está inserido.

Essa é a base para se trabalhar o ser humano de maneira integral. A ideia não é nova e vem do próprio princípio da educação ambiental, quando introduziu valores e engajamento das pessoas em resolução de problemas no processo educacional, o que exige reflexão, conhecimentos, escolhas conscientes e um estímulo à participação em ações que afetam a coletividade.

Foto: IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas

A foto reflete a primeira reunião que chamamos de “Eco-negociação: um Pontal bom para todos”. Analisei esse primeiro fórum participativo, realizado em 2001, como parte de meu doutorado. A surpresa foi que mais de 20 projetos foram desenvolvidos como resultado do encontro e muitos existem até os dias de hoje. Por isso, creio ser um processo valioso de educação comunitária que merece ser melhor detalhado.

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