No Instituto Dara, Saúde e Nutrição caminham juntas no Plano de Ação Familiar, método intersetorial de combate à pobreza

Trabalhar com famílias em situação de vulnerabilidade é reconhecer que, na fome, existem níveis distintos de insegurança alimentar que precisam ser enfrentados. Enquanto alguns temem ficar sem comida para os filhos, outros já não a têm. Na pandemia, o Brasil voltou para o Mapa da Fome mundial.

Quando iniciamos um novo atendimento, mapear a situação de insegurança alimentar é nosso primeiro objetivo. Para definirmos se o quadro é leve, moderado ou grave, as famílias participam de uma entrevista inicial e preenchem um questionário com 15 perguntas, idealizado pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, que mede a percepção e a vivência de insegurança alimentar e fome em casa nos últimos três meses.

Com os resultados, damos sequência a uma etapa fundamental do trabalho: garantir que a comida não falte. Cada família atendida passa a receber, mensalmente, um voucher de 200 reais, que funciona como um cartão-alimentação. Como contrapartida, elas apresentam a nota fiscal das compras com o cartão. Assim, conseguimos avaliar se estão adquirindo a quantidade certa e se estão apostando em alimentos saudáveis.

Com o mapeamento da insegurança alimentar e com o voucher, criamos um plano de ação personalizado para cada família. Aqui, educação nutricional e educação financeira caminham juntas: dividir para multiplicar, fazendo o possível dentro de cada realidade. É um trabalho delicado que exige carinho, cuidado e atenção. Longe de impor certo ou errado, compreendemos cada família que, em geral, chega aqui com pouco acesso à informação.

Parte do trabalho da Nutrição é mudar a cultura e os maus hábitos alimentares, muito enraizados na população atendida pelo Dara. Orientar as famílias para a otimização da compra de alimentos com maior valor nutricional e conscientizar sobre o aproveitamento integral de alimentos está entre nossos desafios.

Temos de desmistificar visões como a de que comer de forma saudável custa caro e “não é para mim”, ou ainda “vou dar uma bolacha recheada para agradar meu filho”. Nosso trabalho é informar sobre as melhores escolhas para as compras no mercado, desenvolvendo consciência a respeito do que ela deveria dar preferência.

A pobreza nutricional pode levar a um problema grave de saúde, a obesidade. De acordo com um estudo da Universidade de São Paulo, o aumento de peso está associado às pessoas com escolaridade mais baixa, com menor acesso a produtos frescos e alta exposição à publicidade de alimentos não saudáveis. Isso é nítido aqui no Dara, e a pandemia aparece como um fator de risco tanto para os adultos quanto para as crianças.

As famílias atendidas consomem alimentos embutidos em excesso, com muito sal e poucos nutrientes. Para elas, é mais barato, mais prático e uma atitude de afeto para os filhos. Outra crença comum é que por causa da situação de vulnerabilidade não podem ter acesso a outros tipos de alimentos. Então, o que compõe a dieta são carboidratos, frituras, temperos prontos e ultraprocessados.

Nosso trabalho é desconstruir essas crenças para que a família mude seus hábitos alimentares. A questão não é deixar de comer, é saber comer. Como escolher proteínas saudáveis e com valor acessível? Sai o steak de frango, que é um ultraprocessado, e entra o peito de frango, que pode ser desfiado e render bastante, por exemplo. No lugar do iogurte cheio de corante e açúcar, falamos do iogurte natural caseiro que, com apenas dois ingredientes, rende 1 litro. Ao longo dos dois anos em que a família está conosco, retomamos essas conversas e pensamos, juntos, como fazer ajustes.

Quando identificamos famílias enquadradas como “nível grave” na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, contamos com o apoio da captação de recursos para a doação de cestas básicas. Infelizmente, com a inflação alta e o aumento de preços no mercado, notamos uma diferença no consumo. Compras de pés e pescoço de galinha têm sido frequentes, por causa do custo. É a primeira vez que vejo isso desde que comecei a atuar no Dara, há cinco anos.

As famílias são protagonistas nesse processo. Elas conseguem sair da situação de insegurança alimentar quando sabem mais sobre alimentação, reaproveitamento integral de alimentos e quando melhoram a renda. Temos cursos de capacitação desenvolvidos pela Nutrição em conjunto com a área de Renda, como culinária funcional e oficina de aproveitamento integral dos alimentos. O que as famílias atendidas aprendem aqui, além de ser um impulso para a geração de renda, colocam em prática nas suas casas.

O ponto de virada dessas famílias é quando elas se conscientizam de que dá para melhorar a situação de fome com acesso à informação. O desânimo com que chegam aqui, sem enxergar solução para seus problemas, vai se transformando em disposição para utilizar os recursos disponíveis e a informação e fazer escolhas melhores. Nós trabalhamos acolhendo e orientando para que tenham alta do programa muito melhor do que entraram.

Array