Artigo originalmente publicado no site do Instituto Desiderata em parceria com Umane, em 17 de Janeiro de 2025.
A cesta básica brasileira não é uma novidade. Ela surgiu em 1938, no decreto-lei 399, que estabeleceu o salário-mínimo no Brasil. Para definir o valor dele, eram utilizadas como referência as despesas com alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. Em relação à alimentação, especificamente, não existia ainda o termo “cesta básica”. Esse nome começou a ser usado a partir de 1970, mas o decreto já definia uma lista de alimentos necessários para atender a um trabalhador em idade adulta.
Ao longo das décadas, a cesta básica continuou servindo de parâmetro para a inflação e a remuneração, e foram feitos movimentos para tentar barateá-la e torná-la mais acessível à população.
Em 2013, a presidente Dilma Roussef anunciou que não haveria mais cobrança de impostos federais sobre os alimentos considerados integrantes da cesta básica. O objetivo era tornar esses itens mais baratos, aumentando o poder de compra da população.
Atualmente, o salário-mínimo não é capaz de suprir todas as necessidades do brasileiro, como previsto em 1938. De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em novembro de 2024, o trabalhador remunerado com o piso nacional do salário-mínimo comprometia cerca de 53,05% da renda para adquirir os produtos alimentícios básicos.
Mudança necessária para os novos tempos
Em março de 2024, o governo federal publicou o decreto 11.936/2024, estabelecendo a “nova cesta básica”, no qual foi definido que somente alimentos in natura e minimamente processados poderiam fazer parte dela. Os ultraprocessados foram proibidos.
O decreto tem o objetivo principal de garantir o direito a uma alimentação adequada e saudável, servindo de orientação para a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a Política Nacional de Abastecimento Alimentar.
A cesta básica original não era saudável?
Sim, era. A cesta básica estabelecida em 1938 considerava essenciais itens como leguminosas, vegetais, carnes e frutas. No entanto, tivemos décadas que se passaram e que valem ser entendidas.
As mudanças não se limitaram ao preço dos alimentos da cesta básica. Os itens dela também foram se modificando aos poucos, impulsionados principalmente pelo crescimento da indústria alimentícia e por uma alteração nos hábitos de consumo. O resultado, foi a inclusão informal de alimentos ultraprocessados, que ainda não existiam na ocasião do decreto de 1938. Vale lembrar que eles são produtos que, durante o processo de fabricação, recebem grandes quantidades de sal, gorduras e açúcar, além de aditivos, como corantes e conservantes. De repente, itens como salsichas, margarinas e macarrão instantâneo, que antes não faziam parte da alimentação essencial, passaram a integrar a cesta básica.
Pode-se dizer ainda que, neste cenário, a indústria não aproveitou somente uma mudança na forma de se alimentar. Em 2023, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) realizou um estudo que mostrou como as políticas tributárias de alguns estados vinham favorecendo a inclusão de ultraprocessados na cesta básica: ou seja, menos impostos sobre eles, mais acessíveis estavam à população, especialmente a mais vulnerável economicamente, que passava a incluí-los na lista de alimentos do dia a dia.
O Idec e a ACT Promoção da Saúde, instituições parceiras do Desiderata, levaram o estudo ao ministro de Desenvolvimento Social, Wellington Dias, reforçando que a cesta básica precisava ser incluída nas discussões sobre preços dos alimentos que vinha sendo feita na Reforma Tributária.
O decreto de 2024 indicou quais alimentos são fundamentais, mas os ultraprocessados, apesar de estarem de fora da lista, ainda recebiam benefícios fiscais, favorecendo que esses produtos seguissem com preços convincentes para a população.
Apesar de toda a pressão da indústria de alimentos e das discussões de âmbito econômico, em dezembro de 2024 foi aprovada a Regulamentação da Nova Cesta Básica Nacional de Alimentos, como parte da Reforma Tributária, liberando de impostos vários alimentos essenciais e reduzindo significativamente os impostos de outros produtos também importantes. A regulamentação por meio da lei oficializa e garante o que já estava previsto no decreto presidencial 11.936.
Por que ultraprocessados fora da cesta básica?
Os alimentos ultraprocessados não são considerados comida de verdade por muitos pesquisadores e especialistas em nutrição, justamente por levarem muitos componentes químicos e por possuírem baixa qualidade nutricional. Além disso, eles favorecem o desenvolvimento da obesidade e de doenças crônicas, como a diabetes e a hipertensão arterial. Todos esses problemas podem aparecer já na infância.
De acordo com o Panorama da Obesidade em Crianças e Adolescentes, plataforma desenvolvida pelo Instituto Desiderata com base em dados do SISVAN, 79% das crianças brasileiras de 2 a 4 anos de idade já consomem ultraprocessados. Na faixa etária de 5 a 9 anos, chegam a 83%. Esses dados são alarmantes, pois evidenciam que o consumo desses produtos está presente na alimentação desde os primeiros anos de vida, contribuindo para formação de hábitos alimentares inadequados. Por trás dessa realidade, estão o fácil acesso e o baixo custo dos ultraprocessados.
Nesse contexto, a nova cesta básica torna-se essencial para ampliar o acesso a alimentos saudáveis, promover saúde e prevenir doenças relacionadas à alimentação inadequada. É fundamental que ela seja composta por alimentos in natura (como frutas e legumes) ou minimamente processados (como carnes resfriadas e algumas farinhas). Além disso, a cesta básica deve apoiar a agricultura familiar, a sustentabilidade e a valorização das culturas regionais.
Essa reformulação está em consonância com as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, que completou dez anos em 2024. Ele oferece orientações indispensáveis para uma alimentação saudável e pode ser baixado gratuitamente no site do Ministério da Saúde. O objetivo do guia é fortalecer políticas públicas, ações de promoção à saúde e ampliar a autonomia da população nas escolhas alimentares mais saudáveis.
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