Dia Mundial da Conscientização do Autismo

Desde 2007, o dia 2 de abril foi estabelecido pela Organização Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, data marcada para ressaltar a importância da conscientização e combate ao preconceito sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O termo “espectro” significa que existe uma diversidade de sintomas e níveis de gradação de sintomas e aspectos, resultando que cada indivíduo apresenta um conjunto próprio de manifestações. Tais gradações passam, por exemplo, por dificuldades no domínio da linguagem, pelo padrão de comportamento restritivo e repetitivo ou pela dificuldade de socialização, entre outros, comprometendo a interação social em função de uma condição neurológica. 

TEA em números

De acordo com uma pesquisa feita pelo Center of Deseases Control and Prevention (CDC), em 2022, uma a cada 44 pessoas apresenta alguma gradação dentro do espectro autista, ou seja, 1% a 2% da população mundial. Tal proporção, se aplicada à população brasileira, resultaria em mais de 4 milhões de brasileiros dentro do espectro. No entanto, embora considerados desatualizados, dados da Organização Mundial da Saúde estimam que dois milhões de brasileiros possam fazer parte do diagnóstico em alguma medida.

O que é o TEA?

De acordo com o Ministério da Saúde, o transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por “desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades”. Tais sinais no neurodesenvolvimento da criança podem ser percebidos nos primeiros meses de vida e quanto mais precoce for o diagnóstico e encaminhamento para intervenções comportamentais e apoio educacional, melhores resultados a longo prazo, uma vez que a primeira infância é considerada a melhor fase para intervenções no desenvolvimento da neuroplasticidade cerebral.

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, evidências científicas apontam que não há uma causa única, mas sim a interação de fatores genéticos, sociais e ambientais, que podem aumentar ou diminuir o risco de TEA em pessoas geneticamente predispostas.  

Diagnóstico

O Transtorno do Espectro Autista – TEA consta na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID/10) e na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial da Saúde (OMS), além do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM – APA). A CIF analisa a saúde dos indivíduos em sua funcionalidade, estrutura morfológica e participação no ambiente social. Ainda de acordo com  a Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, “o diagnóstico de transtorno do espectro do autismo constitui uma descrição e não uma explicação”(SAS/MS). Portanto, cada avaliação e cada planejamento de intervenção terapêutica é singular, consideradas as especificidades de cada caso, sendo o diagnóstico essencialmente clínico, elaborado de forma multidimensional a partir de observação da criança, aplicação de instrumentos específicos e entrevistas com pais e familiares. A equipe envolvida no diagnóstico inclui o médico psiquiatra ou neurologista, educadores e profissionais da área de reabilitação para desenho de um Projeto Terapêutico Singular, ou seja, “um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, individuais ou coletivas, que resultam da discussão de uma equipe interdisciplinar”(SAS/MS).

A Rede de Atenção Psicossocial do SUS

O Sistema Único de Saúde possui uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) cujo objetivo é contribuir para a ampliação do acesso e a qualificação da atenção às pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e suas famílias. Além disso, a RAPS busca “empreender esforços para desconstruir concepções presentes no imaginário social que marginalizam e estigmatizam pessoas com TEA”. O SUS considera que os usuários e suas famílias são sujeitos de direitos, autônomos e capazes de decidir questões sobre suas próprias vidas.

O cuidado com o sujeito integral

A promoção da saúde e do desenvolvimento humano requer um olhar integral e ampliado, incluindo, para além dos aspectos da saúde física e mental, as condições sociais do sujeito. Ao tratar de pessoas em situação de vulnerabilidade, por exemplo, é preciso refletir  que nem sempre seus direitos se traduzem em garantia e que, portanto, pensar em possíveis intervenções com pessoas diagnosticadas dentro do Transtorno de Espectro Autista exige ou deveria exigir também uma articulação intra e intersetorial de políticas como as de saúde, assistência social, moradia, segurança pública, por exemplo. 

Preconceito

Nos últimos anos, especialmente durante a pandemia do COVID-19, muitas notícias falsas a respeito de vacinação foram espalhadas entre a população brasileira. É preciso esclarecer que vacinas não são fatores de risco para o desenvolvimento do TEA. Outro preconceito diz respeito à aprendizagem, uma vez que estigmatizar sujeitos não contribui para o seu desenvolvimento. 

O TEA no atendimento do Instituto Dara

O Instituto Dara atua há mais de 30 anos na promoção da saúde, no desenvolvimento humano e combate à pobreza, aplicando a tecnologia pioneira do Plano de Ação Familiar (PAF), que executa uma atuação sistêmica com as famílias atendidas nos eixos da saúde, educação, moradia, cidadania e renda. O atendimento às famílias sempre teve como porta de entrada a saúde da criança e, especialmente, na saúde física e mental infantil. Mais recentemente, desde 2022, com o apoio da da Fundação Care about Children, e a partir das demandas trazidas pelo cenário de saúde mental na perspectiva da Pandemia da Covid-19, a equipe do Dara atua em um projeto de Recreação Psicopedagógica para Crianças, com atividades individuais e em grupo, estruturado em 3 etapas:

  1. Identificação das crianças nas atividades recreativas realizadas, a partir da observação das mesmas;
  2. Diagnóstico situacional das crianças que precisavam de um olhar mais atento da equipe de Psicologia;
  3. Início do tratamento e/ou encaminhamento psicológico, podendo ou não, haver encaminhamento à rede de parceiros para continuidade do tratamento.

O projeto Recreação Psicopedagógica para Crianças tem como foco o fortalecimento da saúde sócio emocional e pedagógica das crianças participantes, uma vez que:

“As brincadeiras lúdicas inseridas adequadamente no processo de apropriação dos conhecimentos e desenvolvimentos das habilidades infantis permitirão à criança construir o conhecimento o que, consequentemente, estimulará o pensamento crítico e reflexivo no infante, proporcionando ao mesmo, compreender as situações vivenciadas no seu cotidiano e o desenvolvimento de suas competências e capacidades correspondentes a sua faixa etária.” (MELO, M. F., 2016)

A vulnerabilidade social e mental em números

A maioria das famílias participantes do projeto é chefiada por mulheres pretas que vivem em vulnerabilidade social. Em relação à renda, 66% das famílias das crianças possuem, em média, renda per capita de até 25% do salário mínimo, o que equivale a SEK 711,46. É importante destacar que o Banco Mundial considera a pobreza extrema quando uma pessoa vive com US$2,15 por dia, convertendo para reais, seria R$11,90 por pessoa por dia. A média per capita por componente familiar das famílias observadas nos últimos 12 meses é de R$11,55. No entanto, 66% das crianças atendidas possuem renda mensal per capita média de R$8,53. Tal análise ressalta a importância de trabalhar com esse público que se encontra em vulnerabilidade social.

Das 226 crianças atendidas desde 2022, as cinco principais questões de saúde mental identificadas foram: ansiedade/depressão em 25,7% das crianças, 25,7% de autismo/suspeita de Transtorno do Espectro Autista (TEA), 14,3% de agressividade, 11,4% de autoagressão, 11,4% de retraimento e 11,4% das crianças vivenciam violência doméstica.

A abordagem lúdica 

Durante os acompanhamentos, além do diálogo entre o profissional e a criança atendida, são disponibilizados diferentes brinquedos e/ou atividades como casinha, bonecas, carros, jogos, desenhos e materiais diversos, onde as crianças usam sua criatividade para elaborar brinquedos e brincadeiras. A abordagem lúdica é utilizada pois é no brincar que elas expressam e elaboram suas questões.

(…) o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros (Winnicott, 1968i, p. 63).

Nos atendimentos psicológicos, são realizadas orientações após uma escuta ativa dos responsáveis pela criança, como também com sua rede de apoio, como a escola, para compreender melhor todo o contexto no qual a criança está inserida. Devido à importância do início e da continuidade do tratamento psicológico para a criança identificada com alguma demanda ou necessidade, o Instituto Dara buscou mapear uma rede de parceiros em todo o Estado do Rio de Janeiro que pudessem ampliar a formação de uma sólida rede de apoio para encaminhamentos. Foi possível mapear 50 parceiros em diferentes regiões, possibilitando encaminhamento para um possível atendimento mais próximo à residência das famílias, o que aumenta a chance de adesão ao tratamento sugerido para o desenvolvimento mais saudável das crianças.

As famílias, o TEA e o PAF

Todas as famílias das crianças participantes do Projeto de Recreação Psicopedagógica para Crianças estão inseridas na metodologia do Plano de Ação Familiar (PAF), numa abordagem de atuação sistêmica em saúde, educação, moradia, cidadania e renda. Uma vez identificada alguma demanda que vai além das questões psicológicas, como insegurança alimentar, moradias insalubres ou dificuldade de acesso à educação ou aos serviços de saúde pública, a equipe multidisciplinar do Instituto Dara é acionada para a criação de um plano de intervenção para a família em questão. Dessa forma, a instituição pôde contribuir para que tais famílias tivessem mais uma frente de suporte. A partir das demandas que as crianças apresentaram inicialmente, foi possível intervir de forma a desmistificar determinadas situações, atenuando o estresse de responsáveis, contribuindo para o entendimento e resolução das questões que envolviam as crianças, e, dessa forma, contribuir para o fortalecimento das relações familiares no enfrentamento de sua realidade social. 

Todas as áreas são interligadas pelo sistema do PAF, o que permite a interlocução entre elas em tempo integral. Assim, ao final de cada dia de  atendimento, é realizado o diálogo entre as equipes das áreas para que estas pensem em suas devidas e possíveis intervenções. Apenas a partir de um PAF integrado e atualizado é possível o acompanhamento e evolução de cada família, para garantir o aproveitamento máximo de tudo que a instituição tem a oferecer.

 

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