A pobreza pode, e deve, ser aliviada por meio de soluções ambientais. Quem garante é Suzana Pádua, diretora do Instituto IPÊ, que há quarenta anos se dedica à conservação da biodiversidade brasileira.
Quando começou, o foco da ONG era a fauna e a flora. Com o tempo, a equipe do IPÊ percebeu que não dava para dissociar a conservação da natureza da vida de quem mora próximo às áreas de conservação. “Em todos os projetos, não importa a região, temos um braço educacional muito forte. Acredito que precisamos pensar na educação de forma mais estratégica, aquela que traga soluções tecnológicas para quem vive na pobreza. Normalmente, quem está na miséria não tem condições de pensar em solução alguma, pois está correndo atrás do imediato, da sobrevivência. Por isso deve ser um trabalho em conjunto”, diz Suzana.
Hoje, o instituto atua em quatro regiões: baixo Rio Negro, na Amazônia; Nazaré Paulista e Pontal do Paranapanema, ambos no interior de São Paulo; além de Pantanal e Cerrado.
Em Nazaré Paulista, onde fica a sede do Instituto, eles desenvolvem um projeto focado nas famílias em situação de vulnerabilidade social, que vivem de produzir carvão para as pizzarias de São Paulo. Chamado Semeando Água, a iniciativa tem como objetivo disseminar práticas sustentáveis que contribuam para o aumento da renda do pequeno produtor rural e, ao mesmo tempo, ampliem a conservação dos rios locais, aumentando a segurança hídrica do Sistema Cantareira, formado por cinco reservatórios e que abastece a região metropolitana de São Paulo.
O projeto Semeando Água atua em cinco frentes: manejo de pastagem ecológica, que é uma rotação entre dois pastos, para que um seja recuperado enquanto o gado usa o outro; restauração florestal, com o plantio de toda a diversidade de árvores que existiam antes no local; educação ambiental dentro das escolas públicas, com foco no cuidado com a água; políticas públicas, buscando influenciar nas decisões governamentais na região e, por fim, comunicação, tanto para dentro, com a equipe do IPÊ e comunidades, como para fora, na mídia e via redes sociais.
Na Amazônia, há outras frentes de trabalho similares, que ajudam a melhorar a vida de quem ajuda a conservar a floresta. O Projeto Lira, uma das frentes de ação na região, capacita pequenas organizações de conservação para buscarem recursos financeiros internacionais, normalmente conquistados por organizações maiores. “Muitos dos que foram capacitados por nós concorreram a fundos e ganharam, inclusive uma comunidade indígena”.
Em parceria com o LinkedIn, o instituto fez recentemente um mapeamento dos empreendedores do baixo Rio Negro. Foram detectados 100 pequenos empreendedores, dos quais 40 foram selecionados para uma capacitação em vendas. “Havia desde proprietários de restaurantes, artesãos e até uma história muito interessante, de uma mulher que criou um redário, onde ela cobrava o descanso nas redes por hora.”
Desses 40 selecionados, 11 receberam um “seed money” (dinheiro semente) para ser investido na frente que eles quisessem, com valores entre US$1 mil e US$3 mil. O LinkedIn divulgou a ação dentro de sua plataforma e convocou voluntários de diversas áreas — marketing, jurídico, vendas, gestão — para fazer mentoria in loco com os empreendedores.
O começo
A primeira experiência do IPÊ que reuniu conservação com a melhoria de vida das pessoas em situação de pobreza foi no Pontal do Paranapanema, com integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Área historicamente invadida e devastada por grileiros, onde São Paulo faz divisa com o Mato Grosso do Sul e Paraná, o Pontal foi ocupado por seis mil famílias do MST em meados dos anos 1990. “Me recordo que muitos ficaram debaixo de lona preta por mais de oito anos”, conta Suzana.
Nessa época, o IPÊ já estava na região com um projeto de levar de volta o verde que tinha sido derrubado, recuperando o bioma da Mata Atlântica. O MST tornou-se um aliado.
“Em meio àquela tensão pela disputa de terra nos anos 1990, estabelecemos uma parceria muito produtiva com eles, que foram capacitados para serem agentes da conservação, criando viveiros com mudas para reflorestamento. Hoje, compramos as mudas deles – que também são vendidas para outras pessoas”. Existem cinco empresas do MST do Pontal que hoje prestam serviço para o IPÊ.
Um dos grandes resultados alcançados por este projeto foi a formação do maior corredor florestal plantado na Mata Atlântica: são 12 km de floresta e mais de 2,3 milhões de árvores que conectam as Unidades de Conservação Parque Estadual Morro do Diabo e a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto. O corredor é uma das estratégias para proteção do mico-leão-preto e outras espécies ameaçadas daquela região. Através do uso de câmeras, o IPÊ consegue monitorar a volta dos animais.
Para Suzana, o que fica dessas experiências em décadas de atuação é que cabe à sociedade civil mais privilegiada pensar soluções, junto com as comunidades, para quebrar o ciclo de pobreza.
Outro aprendizado do IPÊ é que tudo deve ser construído em conjunto. “Os projetos têm que ser do jeito que os principais beneficiados querem, como um rio limpo que não adoeça o seu filho. Temos que chegar através dos problemas que nos são apresentados, entrar pelas portas que nos abrem”.
Suzana acredita que uma nova educação se faz urgente: uma que mude o sistema de valores atuais, que ensine cada ser humano a se importar com outras vidas, humanas ou não. “Se a gente não aprender a se importar, a de fato amar todas as vidas, o meio ambiente continuará sendo destruído e a miséria seguirá crescendo.”
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