A pandemia de covid-19 provocou impactos devastadores em todo o mundo e foi especialmente cruel para as famílias em situação de vulnerabilidade. Nós fomos testemunhas do impacto. No primeiro ano da pandemia, quase metade das famílias atendidas no Dara apresentava renda per capita abaixo de ¼ do salário mínimo em 2020, pouco mais de R$ 260. Se o mundo parava pela saúde, o desafio delas era garantir, ainda, a próxima refeição.

Situações calamitosas pedem respostas urgentes, organizadas e à altura do desafio. Os desafios chegaram à equipe de Saúde do Instituto Dara e, quase simultaneamente, às demais quatro áreas do Plano de Ação Familiar (PAF), com especial destaque para Renda. “Vivemos muitas situações inusitadas que nunca imaginamos e íamos criando soluções à medida que os problemas se apresentavam”, explica Sylvia Lordello, coordenadora médica da área de Saúde do Dara.

Diante do lockdown, uma das primeiras medidas de contenção ao avanço da covid-19 antes da vacinação, adaptamos todo o atendimento, até então 100% presencial, para o virtual. Como ferramenta, optamos pelo contato telefônico e por aplicativo de mensagens.

A pandemia de covid-19 teve um impacto devastador na rede pública de saúde, tornando o trabalho do Dara ainda mais urgente e complexo. Segundo uma pesquisa da FGV e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, o foco no atendimento aos casos de coronavírus provocou um gargalo no SUS e uma queda geral nos atendimentos.

No Dara, a principal demanda era por assistência médica para crianças doentes, uma vez que a rede pública estava sobrecarregada com os atendimentos de covid-19. Outra necessidade recorrente foi a compra de medicamentos para tratar casos em que era possível o acompanhamento em casa, como pneumonias e gastroenterites.

O impacto na rede pública de saúde

– 59,7% nas cirurgias de baixa e média complexidade
– 44,7% nos transplantes
– 42,5% nas consultas
– 42% nos procedimentos de triagens
– 28,9% nos diagnósticos
– 27% nas cirurgias de alta complexidade
– 19,1% nos tratamentos e procedimentos clínicos por lesões de causas externas

Para os casos de atendimento médico presencial, a equipe de Saúde redigia laudos e enviava, via aplicativo, para as famílias. Com esse documento, as mães que vivem do outro lado da ponte Rio-Niterói passavam pelo bloqueio do lockdown para chegar ao Hospital da Lagoa, na Zona Sul, e receber atendimento para os filhos. A equipe cuidava de todo o processo, até mesmo do transporte, uma vez que táxis, por exemplo, foram proibidos de cruzar a ponte nos momentos mais severos do confinamento.

Impacto no desemprego e na fome

Com o isolamento, o aumento do desemprego e a insegurança aumentaram os relatos de ansiedade, depressão e outras questões de saúde mental. Para assistir essa demanda foi organizado atendimento psicológico contínuo ao longo do mês. Anteriormente, as sessões eram realizadas uma vez por semana. Entre março de 2020 e 31 de dezembro de 2020, foram realizados 2.578 atendimentos remotos.

A fome também alcançou mais famílias na pandemia. Uma pesquisa sobre insegurança alimentar realizada pelo Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas, mediu o impacto da pandemia de covid-19 no país. O número de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar devidamente a si ou a sua família saltou de 30% em 2019 para 36% em 2021, o que significou um novo recorde da série iniciada em 2006, comparando o Brasil com outros 120 países. Entre os 20% mais pobres, a população que sofre com insegurança alimentar subiu de 53% para 75% na pandemia no Brasil, aproximando os números desse grupo ao Zimbabwe (80%), país da lista com o pior índice na área.

O impacto de renda nas famílias atendidas

450 famílias atendidas em 2021
1.944 total de beneficiários
146 famílias receberam alta
1.008 beneficiários menores de 18 anos, dos quais 484 na primeira infância
36,04% de aumento de renda média, considerando o período entre entrada e saída do Dara em 2021

Das famílias atendidas no Dara, 44% apresentavam renda per capita abaixo de ¼ do salário-mínimo em 2020, o que corresponde a pouco mais de R$ 260

Além de aumentar o valor da ajuda de custo (cartão-alimentação) que o Dara oferece às famílias mensalmente — de R$ 80 para R$ 120 em 2020 e, em 2021, para R$ 200 —, entre março de 2020 e setembro de 2021 as altas das famílias que estavam chegando ao fim da jornada no Dara foram suspensas.
Entendemos que o contexto era desafiador e de muita incerteza. Seguimos com o suporte, o atendimento e as orientações necessárias para fortalecê-los para estarem prontos para a alta quando a situação estivesse mais controlada.

No Instituto Dara, os três núcleos de atendimento na área de Saúde — Medicina, Nutrição e Psicologia —, além dos desafios do dia a dia, seguem lidando com os impactos e com as sequelas deixadas pela pandemia sobre as famílias atendidas.

O elo indestrutível entre pobreza e insegurança alimentar

Na pandemia de covid-19, a maior mudança no perfil dos pacientes destinados à área de Nutrição foi o aumento significativo nos casos de obesidade, a maioria entre as mulheres. As causas podem estar relacionadas também a questões de saúde mental como ansiedade, depressão e transtorno alimentar, entre outros.

Além da má alimentação, um estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP mostrou que o confinamento e o distanciamento social, estratégias iniciais de combate à doença antes da vacinação em massa, provocaram aumento do sedentarismo e do consumo de alimentos ultraprocessados e calóricos. Se não falta alimento, o que se consome é de baixa qualidade nutricional.

Para as famílias atendidas pelo Dara, o cartão-alimentação é a ajuda imediata para garantir comida na mesa. Com a escalada do preço dos alimentos e do gás de cozinha que o Brasil vem passando, a equipe de nutrição, junto com as famílias, tem feito malabarismos para suprir as demandas da lista de compras e otimizar o uso do gás de cozinha para viabilizar uma alimentação saudável.

Entre as principais informações trabalhadas com a família estão a importância de aproveitar o alimento integralmente — as folhas dos legumes, por exemplo, normalmente são jogadas fora —, saber sobre os meses da safra de frutas, verduras e legumes, em que normalmente esses produtos ficam mais baratos, o que pode ser aproveitado na xepa da feira, a preços acessíveis e alto valor nutritivo, por que pode ser bom andar mais um pouco atrás das melhores ofertas e buscar proteínas com valor mais acessível, fugindo dos ultraprocessados. O desafio é manter a alimentação saudável e na quantidade adequada com o valor que a família possa bancar.

Uma abordagem integral de saúde

Boa parte dos desafios relacionados à alimentação está conectada com questões psicológicas, mais um campo da saúde impactado pela covid-19. Uma compilação de estudos da Organização Mundial de Saúde em 2022 mostrou o aumento de casos de ansiedade, depressão e transtornos de humor.

Em 2022, lançamos um programa de saúde mental para as crianças com o apoio da Fundação Care About the Children. Psicólogos, pedagogos e psicopedagogos acompanham os pequenos durante os atendimentos mensais das famílias e, caso identifiquem alguma necessidade específica, as crianças são encaminhadas à rede parceira, seja pública, seja privada.

Para os adultos, o Dara tem uma equipe de Psicologia, com psicólogos, funcionários, voluntários e um psiquiatra voluntário. Quem aceita o acompanhamento — e há um estímulo constante para isso — é atendido individualmente em encontros mensais.

As questões relacionadas à obesidade, que é multifatorial, estão sendo abordadas dentro do projeto Ativação, que iniciamos recentemente. O objetivo é combater a obesidade por meio de uma abordagem integrada de saúde: física, médica, nutricional e psicológica.

Nos encontros mensais, os responsáveis pelas famílias atendidas receberão apoio psicológico e nutricional para estimular a mudança dos hábitos alimentares, além da conscientização sobre a importância da prática regular de atividade física para a qualidade de vida.

 

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