Mudanças climáticas: “A maioria das pessoas nas favelas e periferias não têm a menor noção que sofrem racismo ambiental” 

Quando você pensa em mudanças climáticas, qual é a primeira imagem que vem à cabeça? 

Muita gente imagina urso polar ou degelo nos polos, como se a crise do clima estivesse bem longe do Brasil, quando na verdade faz parte do nosso dia a dia. Ondas de calor extremos cada vez mais comuns, alertas constantes de tempestades, enchentes que varrem cidades. Quem são os mais impactados? Os que menos contribuem para a crise do clima: população periférica e das favelas, as comunidades ribeirinhas e quilombolas e os povos indígenas. O nome disso é racismo ambiental.

“A maioria das pessoas nas favelas e periferias não têm a menor noção  que sofrem racismo ambiental”, afirma Raquel Cordeiro, coordenadora da área de Moradia do Instituto Dara. “Quando há um problema no abastecimento de água no Rio de Janeiro, por exemplo, todo mundo continua pagando a conta, mas as regiões mais afastadas e empobrecidas fazem racionamento para que não falte água nas regiões mais ricas. É comum racionarem água em Rio das Pedras [favela na Zona Oeste da cidade], a água passa a entrar só duas ou três vezes por semana. E acontece tanto que aquela população começa a achar que é normal. É claro que não racionam água na Zona Sul”.

Nas favelas e periferias das grandes cidades são mais evidentes os efeitos do racismo ambiental. A jurista E. Tendayi Achiume, professora de Direito da Universidade da Califórnia e Relatora Especial da ONU sobre racismo, xenofobia e intolerância, apresentou em outubro de 2022 um importante documento sobre crise ecológica e a justiça racial. Nele, descreve as regiões que mais sofrem com o racismo ambiental como “zonas de sacrifício raciais”, onde “os moradores sofrem consequências físicas e mentais devastadoras e violações dos direitos humanos por viverem em pontos críticos de poluição e áreas altamente contaminadas”. Ela continua: “As alterações climáticas estão impulsionando a proliferação de zonas de sacrifício, que em muitos locais são, na verdade, zonas de sacrifício raciais.” 

Outro exemplo no Estado do Rio é a forma distinta como o poder público trata os moradores da capital e os da Baixada Fluminense. “A Baixada é como se fosse o quartinho dos fundos de uma casa, onde a gente guarda tudo o que não presta, o ‘quarto da bagunça’”, afirma Raquel. “É lá que colocaram os aterros sanitários, a indústria que polui… Quem mora perto da Reduc [uma das maiores refinarias de petróleo do país fica em Duque de Caxias, na Baixada] sente que aqueles gases corroem tudo em casa. E as comunidades estão lá pertinho. É claro que a saúde da população é afetada por esse descaso, sem contar com o risco maior nas épocas de secas ou enchentes. Mas na hora de colocarem parques e áreas de lazer, não olham pra lá”.

Racismo ambiental 

“Qual a cor dos corpos levados pelas enchentes, soterrados pelos deslizamentos e que são afetados pela escassez de alimentos nas cidades?”, pergunta a jornalista Mariana Belmont no livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, lançado pelo Instituto Peregum. 

A relação com a questão racial é simples: os que mais suportam os efeitos são pessoas pretas, maioria nas periferias. “No Brasil, a população negra representa 56%, segundo o Censo/IBGE 2020. O racismo ambiental diz respeito sobre quem são as pessoas que moram nas favelas, morros, nas beiras dos rios e trilhos, beira de represas das pequenas e das grandes cidades”, escreveu Mariana. O Painel do Clima da ONU aponta que moradores de regiões vulneráveis morrem 15 vezes mais por enchentes, secas e tempestades do que aqueles que estão em regiões menos vulneráveis. 

Segundo o relatório “Igualdade Climática: um Planeta para os 99%”, da organização internacional de combate à fome Oxfam, o 1% mais rico da população mundial emite a mesma quantidade de gases do efeito estufa — o grande vilão do aquecimento global e das mudanças climáticas — que os 66% mais pobres. “É inaceitável que o 1% mais rico continue liderando o mundo ladeira abaixo para um colapso planetário. E quem vem sofrendo o impacto dos danos dessa viagem é a maioria da população. São as bilhões de pessoas impactadas por enchentes, secas, perdas de território, aquecimento e baixa de temperatura desproporcional, problemas de saúde e pobreza”, disse Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, à CNN.

Clima de mudança – espalhar o conhecimento

Dentro das áreas de atuação do Instituto Dara em seu Plano de Ação Familiar (PAF) para promover a saúde e o desenvolvimento humano, o setor de Moradia tem como objetivo transformar a casa das famílias atendidas e garantir um ambiente saudável e seguro. As transformações profundas nas comunidades, porém, da porta para fora, dependem diretamente do poder público. 

Para Raquel, o primeiro passo para combater o problema é a conscientização. Em maio de 2023, o Instituto Dara levou um grupo de mulheres negras atendidas pela organização para um curso sobre racismo ambiental e moradia social. O local escolhido era, em si, um convite à conscientização sobre o tema: o Muhcab – Museu de História e Cultura Afro Brasileira, localizado no bairro da Gamboa, zona portuária histórica do Rio de Janeiro. As discussões sobre racismo ambiental foram intermediadas por Tais Stefano, arquiteta especializada em moradia social, e Vitor Del Rei, presidente do Instituto Ghetto, organização dedicada à produção de conhecimento para combater o racismo.

“Eu entendo que as mães desse curso vão virar mães disseminadoras de informação”, diz Raquel. “Quando elas voltam para a comunidade delas — vão a um churrasco, sentam para fazer a unha… — elas conversam sobre o assunto e ajudam a espalhar o conhecimento”.

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