A artista plástica Adriana Varejão diz que o azulejo é a pele do edifício. Quem entra na casa de uma família em condição de extrema pobreza percebe as cicatrizes da miséria em paredes inacabadas, com infiltrações e mofo. Um retrato que vai além do acolhimento que toda casa deveria oferecer: é sobre segurança e saúde, uma vez que muitos problemas estruturais impactam o bem-estar de todos que vivem ali.
A área de Moradia no PAF
Assim como os demais atendimentos do Plano de Ação Familiar (PAF), em que a família é protagonista, em moradia ela também o é. Na área de Moradia, o foco de atuação é garantir a saúde da casa. A questão estética não é nosso objetivo, mas se a casa ficar bonita durante o processo, temos um ganho também para a autoestima da família. Vemos que uma primeira melhoria orientada por nós pode motivar outras, feitas pela própria família. É como se os pequenos ajustes acendessem uma fagulha de desejo.
Os atendimentos às famílias podem acontecer em duas modalidades: consultoria, quando pequenos ajustes melhoram a salubridade da casa e são realizadas pela própria família com orientação da nossa equipe; e intervenções, em que é preciso uma equipe de profissionais para adaptações mais complexas. Seja uma grande mudança, seja pequena, o importante é usar o momento como ferramenta para quebrar um tabu importante: a imagem negativa que essas famílias têm de si.
As mulheres à frente das pequenas transformações
A maioria do público que atendemos é de famílias chefiadas por mulheres. Existe o estigma de que tocar obras não é coisa de mulher, que somente os homens conseguem. Existe, ainda, o peso que carregam por não acreditarem em si. Por isso, na reforma elas se empoderam de suas casas e assumem uma parte da vida que sempre disseram que não era para elas. E se descobrem capazes.
Seja trocar a torneira com as próprias mãos, escolher os revestimentos, seja acompanhar o profissional contratado. Cada detalhe conta. A busca pela casa saudável também é um resgate da autonomia que vai continuar quando a jornada em parceria com o Dara terminar. As famílias que já passaram por aqui contam como a transformação continuou depois do atendimento, porque passaram a acreditar em si mesmas, sentindo-se capazes de tomar decisões de forma autônoma. Isso é possível porque oferecemos orientação e acesso à informação, muitas vezes a falta de conhecimento impedia essas famílias de fazer escolhas assertivas.
O processo de transformação
É uma jornada de conscientização. Nosso trabalho começa no ingresso das novas famílias ao programa. Em uma conversa inicial, entendemos qual é a situação da casa, como um diagnóstico, que ou dá norte para as consultorias mensais ou sinaliza se serão necessárias intervenções.
Durante as consultorias, trabalhamos a conscientização da importância de pequenos reparos para a redução de problemas de saúde, como crises de asma e alergia, e de que é possível fazê-los com poucos recursos e, em alguns casos, até sozinhos.
As casas dessas famílias são moradias em processo de construção, e elas precisam se apropriar da sensação de que são capazes de concluir a obra aos poucos. É um aprendizado a longo prazo, porque uma casa, mesmo bem construída, precisa de manutenção para sempre, pois muita coisa se desgasta. Notamos que muitas famílias se sentem inseguras por não entenderem de obras, por acharem que custa caro e, às vezes, por entenderem que funciona como está.
Os requisitos de intervenção
Para receber a intervenção, a família precisa cumprir três requisitos: estar há um ano no Dara; possuir casa própria ou emprestada (aquelas que são garantia de que vão fixar moradia por lá, como casa cedida pelos pais); e ser bem avaliada nos outros pilares do programa. Se após a avaliação da nossa equipe a obra for considerada viável, começa o processo de planejamento.
Em seguida, a família, então, busca três orçamentos com pedreiros ou mestres de obra. Conversamos com esses profissionais e, com o meu conhecimento técnico, avalio se os preços estão dentro da realidade. Depois, recebemos a lista de materiais, avaliamos, sugerimos e questionamos. A família faz orçamento com três lojas de materiais de construção a partir da lista de itens a serem comprados definida.
Uma gestão compartilhada
O Instituto Dara faz a escolha final dos profissionais e do fornecedor, com base nas necessidades específicas da obra, não só no preço. Escolha feita, é hora de passar pela parte burocrática, que também faz parte do processo. As famílias assinam contrato de doação de material pelo Dara, são orientadas a recolher a assinatura do pedreiro no contrato de prestação de serviços. Agora, sim, hora de começar os trabalhos. A família é quem lida com o pedreiro, acompanhando toda a obra. Nós fazemos a supervisão. Esse processo é muito importante para aproximar a família das melhorias que a casa precisa e dar poder para tomarem conta do que está sendo feito na casa.
Quando a mudança impacta toda a vizinhança
Em uma ocasião, atendemos uma família cuja casa precisava de um muro de arrimo. O time do Dara fez a intervenção com uma equipe especializada. Quando a família viu o muro pronto, animou-se a pintá-lo e essa mudança estética causou impacto em toda a rua. Agora, já estão fazendo outros ajustes do muro pelo lado de dentro por iniciativa própria. É exatamente isso que esperamos.
Quebrando paradigmas
Diante de tantas dificuldades que as famílias que atendemos enfrentam, acompanhar uma obra não está entre as tarefas mais complexas. Trabalhamos para quebrar paradigmas e provar que é possível, sim, e que eles são os responsáveis pela transformação contínua de seus lares. No fim do processo, as famílias assinam um termo de aprovação da obra. O que fica evidente é a conscientização, a apropriação e o orgulho. Novos sentimentos para seguir construindo suas histórias em família.
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