Direito à saúde mental da criança e do adolescente

A atenção à saúde mental ainda na infância é importante para identificação de possíveis prejuízos no desenvolvimento infantil e de intervenções precoces, bem como, para o fortalecimento do indivíduo durante o seu amadurecimento até a fase adulta. 

De acordo com a Declaração dos Direitos da Criança (ONU, 1990), “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, incluindo a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento”. É dever e compromisso de todas as nações, de acordo com o artigo 29, desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança em todo seu potencial. Ainda sob a ótica dos direitos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (art. 3º). A Lei busca garantir que toda a criança tenha  direito a proteção à vida e à saúde, a um nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Um futuro ameaçado

A realidade, no entanto, apresenta-se de forma dura para a maioria das crianças no mundo. De acordo com Helen Clark, co-presidente da Comissão que reuniu 40 especialistas convocados pela ONU e Unicef, responsável pelo relatório “Um futuro para as crianças do mundo?” (2020): “Estima-se que cerca de 250 milhões de crianças menores de 5 anos de idade em países de baixa e média renda correm o risco de não atingir seu potencial de desenvolvimento, com base em medidas proxy de baixa estatura e pobreza”. 

Os riscos à saúde mental das crianças e adolescentes

A preocupação também é partilhada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), especialmente com relação à saúde mental. De acordo com a entidade, a depressão e a ansiedade aumentaram mais de 25% apenas no primeiro ano de pandemia, sendo o abuso sexual infantil e a vitimização por bullying as principais causas da depressão. “Em todos os países, são os mais pobres e desfavorecidos da sociedade que correm maior risco de problemas de saúde mental e que também são os menos propensos a receber serviços adequados”. Ainda de acordo com a OMS, 75% dos transtornos mentais se iniciam na infância e adolescência e metade deles ocorrem até os 14 anos.

A realidade das crianças brasileiras

Pelo menos 32 milhões de meninos e meninas no Brasil vivem na pobreza. O número representa 63% do total de crianças e adolescentes do país. A pobreza é aqui entendida como multidimensional e implica fatores como renda, alimentação, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação, conforme apontado pela pesquisa Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil (Fundo das Nações Unidas para a Infância -Unicef, 2023).Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, mostra que 44% de crianças e adolescentes de zero a 14 anos vivem nas classes de rendimentos mais baixos.

Outro aspecto a ser considerado no contexto territorial é que, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, no  Brasil, mais de 11 milhões de mulheres são as únicas responsáveis pelos cuidados com filhos e filhas e 63% das casas chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza. Em 2021, 10,9% das crianças nascidas no estado do Rio de Janeiro são filhos de mães adolescentes, com menos de 19 anos, conforme fonte do Observatório da Criança e do adolescente, com base em dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Estudos relacionam a sobrecarga de trabalho feminino em países de baixa renda ao menor envolvimento em atividades de estimulação sensorial dos filhos e, como consequência, um pior desempenho neuropsicomotor dessas crianças (BRAGA, 2010). 

Não menos importante é considerar os índices de violência aos quais as crianças e adolescentes são submetidas em determinados territórios, uma vez que, para além de uma questão policial e jurídica, a violência é também uma questão de saúde pública na medida em que pode levar ao adoecimento e sofrimento emocional. Seja ela a violência social, entendida como ação ou omissão realizada por indivíduos, grupos, classes, que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e espirituais a si próprio ou aos outro (Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, 2001), violência institucional   ou intrafamiliar, crianças são vítimas de abuso psicológico, sexual ou físico. Durante a pandemia do covid-19, por exemplo, o canal de denúncias Disque 100 registrou em 2021 cerca de 35 mil casos de violações dos direitos das crianças. Em 62% dos casos a vítima é menina e 58% deles aconteceu na faixa etária de 0 a 6 anos, de acordo com um levantamento realizado pelo Programa de Atenção à Criança e ao Adolescente Vítima de Violência, da Fundação para a Infância e Adolescência/RJ. 

Tais fatores contextuais são fundamentais de serem considerados no planejamento, execução e avaliação de projetos sociais, especialmente considerando o ODS 10, que trata da redução das desigualdades. Mas quais estratégias podem ser adotadas por organizações sociais que atendem crianças e famílias? 

Uma abordagem intersetorial

Enquanto ser social, todos os sistemas nos quais o indivíduo está inserido afetam seu desenvolvimento. Se a precariedade do ambiente familiar, do território e das relações sociais interferem na saúde física e mental, é também verdade que as ações de prevenção e intervenção para amenizar o sofrimento devem acontecer em todas essas esferas de interação com a sociedade. 

O relatório de Saúde Mental da OMS destaca que:  “uma mistura de fatores genéticos, de experiência e ambientais desde os primeiros dias, incluindo parentalidade, escolaridade, qualidade dos relacionamentos, exposição a violência ou abuso, discriminação, pobreza, crises humanitárias e emergências de saúde, como a covid-19, molda e afeta a saúde mental das crianças ao longo da vida” (Fiocruz, 2020). De acordo com pesquisa apresentada no relatório Situação Mundial da Infância (Unicef, 2021),  é preciso uma abordagem intersetorial para intervenções na área da saúde mental infantil como, por exemplo, preparar pais, familiares, cuidadores e educadores. 

A brincadeira é uma ferramenta poderosa de estímulo do desenvolvimento, do aprendizado. Ela permite que a criança conheça e reconheça formas, ative a memória, faça associações, mobilize a atenção, encontre foco, organize, experimente, imagine, desenvolva a curiosidade a autonomia e  imitação, organização, limites, experimentação, imaginação, curiosidade, autonomia e habilidades socioemocionais. 

No âmbito da educação, o atendimento de crianças de 0 a 6 anos passa a ser um dever de Estado a partir da Constituição de 88 e a educação infantil passa a fazer parte da educação básica com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil – DCNEI, em seu Artigo 9º, os eixos das práticas pedagógicas para a educação infantil são as interações e brincadeiras. Ao observar as interações e a brincadeira entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções.

A experiência do Instituto Dara

Com base em estudos científicos e na experiência de mais de 30 anos do Instituto Dara no atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade, é fato que é na brincadeira e no brincar, por meio da linguagem lúdica, que a criança vai desenvolver habilidades neurais, cognitivas, motoras e sociais. As brincadeiras lúdicas inseridas adequadamente no processo de apropriação dos conhecimentos e desenvolvimentos das habilidades infantis permitirão à criança construir o conhecimento o que, consequentemente, estimulará o pensamento crítico e reflexivo no infante, proporcionando ao mesmo, compreender as situações vivenciadas no seu cotidiano e o desenvolvimento de suas competências e capacidades correspondentes a sua faixa etária. (MELO, M. F., 2016). Assim, o brincar é uma estratégia fundamental para o desenvolvimento da criança e um meio para o fortalecimento da saúde mental infantil. 

Cientes da importância da saúde mental infantil, o Instituto Dara e a Fundação Rainha Silvia da Suécia – Care About the Children –  firmaram em 2022, uma parceria para desenvolverem, no Rio de Janeiro, um projeto de saúde emocional infantil.

O projeto “Saúde Emocional Infantil – Diagnóstico precoce para uma vida melhor” atendeu 135 crianças de até 12 anos em situação de vulnerabilidade com acompanhamento multissetorial de psicólogos, psicopedagogos, médicos e nutricionistas.  Por meio da realização de atividades lúdicas, as condições de vida e situação emocional foram avaliadas de forma natural. Identificadas as necessidades específicas – como ansiedade, insegurança alimentar, depressão, desinteresse escolar ou com sinais físicos de maus-tratos –, algumas das crianças foram acompanhadas ou encaminhadas para tratamento com especialistas de uma ampla rede de apoio articulada pela instituição. 

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