O público-alvo do Plano de Ação Familiar (PAF) do Instituto Dara são famílias de renda muito baixa ou zero, justamente o grupo mais vulnerável aos impactos de uma crise econômica. No Brasil, essa parcela responde por 5,7% da população, segundo o critério do Banco Mundial.

A geração de renda é um dos cinco pilares do PAF — os outros são Saúde, Educação, Cidadania e Moradia. As áreas juntas propiciam que as famílias atendidas se tornem protagonistas de sua própria vida. Quando sobreviver à próxima refeição deixa de ser uma barreira, a mudança na qualidade de vida de todos chega. É possível comprar itens de higiene, limpeza, material escolar e pensar em melhorias para a casa.

A pandemia de covid-19 deslocou um em cada quatro brasileiros para abaixo da linha da pobreza em 2020, número equivalente a quase 51 milhões de pessoas. Sem os auxílios emergenciais dos governos, esse número já catastrófico subiria para 67 milhões.

Nesse cenário, melhorar a renda de uma família é iniciar um ciclo de prosperidade. Quando a família em situação de vulnerabilidade chega ao Instituto Dara, ela é representada na maioria das vezes por uma mulher negra (88%); mãe solo de muitos filhos — entre eles, pode haver uma criança com problemas de saúde —, sem ensino fundamental e médio completos.

Geração de renda: mais que uma questão financeira
Com mais de 30 anos de experiência no atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade extrema, o Instituto Dará descobriu que estimular a geração de renda e o empreendedorismo nesses casos é muito mais do que uma questão financeira.

A pessoa responsável pela família durante o atendimento está muitas vezes presa a um ciclo geracional em que futuro e perspectiva não são palavras conhecidas, como se não fossem um direito. Os avós viviam assim, os pais viviam assim e ela sobrevive do mesmo jeito. Antes de conseguir um emprego ou abrir um negócio, ela precisa descobrir que pode ser, sim, protagonista de mudanças.

Uma das principais barreiras que nossa equipe precisa ser capaz de ultrapassar é a baixa autoestima dessa população. Uma cena que se repete no Instituto Dara é a do primeiro atendimento: a mulher com baixa escolaridade e muitos filhos para criar costuma chegar ao Dara com dificuldade para entender seu lugar no mundo e que esse é um direito dela, seja dentro de casa, seja na comunidade, seja na cidade onde vive, e o poder que tem para quebrar o ciclo de miséria das gerações anteriores. São muitos os casos em que essa mulher sofre violência do marido ou companheiro e não recebe nenhum estímulo positivo pelo que faz no trabalho e dentro de casa, na criação dos filhos. É comum questionar-se: “Será que eu sou capaz?”.

O primeiro passo no setor de Renda é descobrir a vocação da pessoa atendida. Grande parte das vezes ela vive com programas de benefício do governo ou está em busca de um emprego. As principais funções pretendidas são serviços de limpeza, jardinagem, guardiões em prédios e condomínios, serviços de beleza e de cozinha.

Mas o que essa pessoa é capaz de fazer para transformar de verdade sua vida? O objetivo é facilitar o acesso a novas possibilidades de trabalho com base em seus talentos e sonhos e, se for o caso, orientar para que tenha todas as condições para abrir seu próprio negócio à luz da economia criativa comunitária.

Talentos postos em prática

O Instituto Dara oferece cursos próprios nas áreas de culinária, beleza e artesanato e trabalha com uma rede de parceiros que cedem vagas em cursos nas mais diversas profissões.

A mulher que antes fazia tranças na comunidade e recebia R$ 5, aprende aqui técnicas práticas para fazer seu trabalho com qualidade, cobrar por ele e acreditar no seu potencial. O talento para trançar vira trabalho e passa a valer até 600% mais.

Outro exemplo é a mulher que cozinha bem, nunca foi valorizada e aprende aqui a escalar uma produção com o que tem em casa. Ou aquela que era revendedora de alguém. No curso de gastronomia, ela pode aprender a fazer seus próprios salgados e, assim, incrementar a renda. Mas não só. O curso oferecido dura até sete semanas e tem diversos módulos, como confeitaria, gastronomia funcional e culinária sustentável.

Os cursos aumentam as chances de uma boa cozinheira, com um problema prático para resolver — aumentar a renda da família —, desenvolver novos talentos na área. Além dos salgados, ela pode vender bolo de pote, biscoitos finos, ovos de chocolate na Páscoa e panetones no Natal.

Com a dificuldade de acessar empregos formais, empreender é para muitas famílias o caminho para gerar renda. No curso de empreendedorismo elas aprendem, por exemplo, a precificar seus produtos e a divulgar seu ponto de venda. Dar valor ao seu trabalho e, com isso, gerar renda. Não importa se para isso ela tenha uma tenda esticada na porta de casa ou faça o atendimento em domicílio por falta de um ponto comercial.

Quando a pessoa atendida descobre seu protagonismo, o ciclo de vulnerabilidade se quebra. Os impactos na renda da família e na autoestima dessa mulher são importantes. Como resultado, a vida de todos dentro de casa melhora.


O que dificulta a mudança de cenário para as famílias em vulnerabilidade?

O principal público atendido pelo Instituto Dara, mulheres pretas e pardas, são duplamente vulneráveis no Brasil em termos de emprego e renda. Um estudo do IBGE sobre desigualdades sociais, lançado em 2019, aponta que as mulheres receberam, em 2018, 78,7% do valor dos rendimentos dos homens. As pessoas pretas e pardas sofreram ainda mais com a desigualdade, recebendo 57,5% dos rendimentos das pessoas brancas. Se colocados os extremos de desigualdade lado a lado, o recorte é ainda mais cruel: mulheres pretas e pardas receberam apenas 44,4% do rendimento dos homens brancos. O mesmo levantamento mostra que pretos e pardos são pouco mais da metade da força de trabalho do país (54,9%), mas recebem muito menos oportunidades, formando 64,2% dos desocupados e 66,1% dos subutilizados. Até na informalidade o recorte racial é significativo: enquanto 34,6% dos brancos estavam em trabalhos informais, o percentual entre negros e pardos foi de 47,3%. São números de 2018, mas infelizmente variam muito pouco na série histórica.

Índices de Pobreza

Além da taxa de desemprego, estabilizada nos dois dígitos desde 2016 — um platô entre 10% e 14%, segundo dados do IBGE —, três índices têm empurrado o brasileiro para a pobreza: alta da inflação, queda na renda e aprofundamento da desigualdade social.

Alta da inflação: a escalada recente da inflação, observada principalmente durante 2021, prejudicou especialmente a população mais pobre. Entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022, por exemplo, a inflação triplicou para a faixa da população com renda muito baixa. Isso se dá porque os alimentos, principais vilões do índice no período, correspondem à maior parte dos gastos das famílias mais vulneráveis. No total, o IPCA acumulado nos últimos 12 meses é de 10,54%, índice anual comparável apenas aos piores momentos pós-plano Real, no começo dos anos 2000, e em 2015, quando também ultrapassou os dois dígitos.

Queda da renda: enquanto os preços subiram, a renda do brasileiro desabou para níveis históricos. No mesmo período, entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022, a renda média caiu quase 10%. É o menor valor desde que o IBGE começou a série histórica da PNAD Contínua, em 2012. A queda no índice foi vertiginosa desde setembro de 2020, quando o governo cortou pela metade o auxílio emergencial distribuído durante a pandemia de covid-19. Trata-se apenas de uma média, mas, mais uma vez, quem sofre mais são os mais pobres.

Aprofundamento da desigualdade social: soma-se à queda na renda média e ao aumento da inflação a escalada igualmente histórica dos índices de desigualdade social. A principal métrica é o Índice de Gini, um método matemático que calcula o abismo entre ricos e pobres. Depois de uma alta contínua desde o fim de 2014, a desigualdade no Brasil manteve-se no ponto mais alto da série histórica em 2019. Até que chegou a pandemia, e o Índice de Gini disparou, chegando ao recorde de 0.674 no primeiro trimestre de 2021.

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