Depoimento de Fabiana Santos de Paula, de 38 anos
Cabeleireira e mãe de Paloma de Paula Monteiro, de 12 anos
“Hoje, a minha rotina é agitada: acordo de manhã, levo minha filha para a escola, atendo no meu salão de beleza, paro para almoçar e arrumar tudo entre 11 e 13 horas. Depois, não tenho hora para parar de receber as clientes. Aos sábados, consigo atender três ao mesmo tempo e já tive oito em um mesmo dia. Faço isso por amor, não sei ficar sem trabalhar. Tudo foi possível porque aprendi uma nova profissão no Instituto Dara. Antes, tudo era muito diferente.
O início da jornada
A promessa de um emprego dos sonhos me fez deixar a minha família no interior de São Paulo e migrar para o Rio de Janeiro para morar com uma amiga dos meus pais. Aqui, vivi um pesadelo. Nunca recebi pelo trabalho, passei fome e ela usou meu nome para abrir contas em bancos e fazer empréstimos. Quem me ajudou a sair daquele terror foi meu marido, com quem eu namorava à época. Fomos morar juntos em 2008, à revelia da minha mãe, que pedia para eu voltar para casa. Mas eu sabia a vida que eu queria ter.
Nossa filha, Paloma, nasceu em 2009. A vida, que já era difícil — meu marido sustentava sozinho a família com bicos —, piorou quando Paloma começou a ter diarreias consecutivas, às vezes várias por dia. Não engordava de jeito nenhum e tinha muita alergia. Nem sei em quantas consultas a levei até chegarmos ao Hospital da Lagoa, na Zona Sul do Rio. Lá, o alergista foi certeiro: intolerância à lactose, diagnóstico que depois um exame comprovaria.
Primeiro contato com o Dara
Pela primeira vez na vida entrei em um mercado olhando o rótulo de tudo e fiquei desesperada. O leite de soja era muito mais caro! Na época, meu marido pagava pensão a filhos de relacionamentos anteriores, não tínhamos condições de comprar. Na segunda consulta, eu não tive dúvida: pedi ajuda. Assim, fomos encaminhados ao Instituto Dara.
Lembro de ter recebido um livrinho no Instituto Dara contando como o atendimento funcionava, exatamente como estava acontecendo com a gente. Primeiro, veio o suporte com latas de leite de soja, cesta básica e medicamentos. Depois, aprendi, com a nutricionista, a preparar receitas com substituições de leite. Mas o livro também dizia que o Dara oferecia cursos profissionalizantes. Seria mesmo verdade?
No nosso terceiro mês de atendimento, ofereceram para a gente um bolo que tinha sido feito na oficina de culinária. Aquilo chamou a atenção do meu marido. Ele sempre teve o sonho de aprender a cozinhar, e eu me interessei pelos cursos de beleza. Mas quem ficaria com a Paloma? Nos disseram que o Dara tinha uma área de recreação para as crianças. Foi perfeito.
A Profissionalização para geração de renda
Entrei no curso de cabeleireiro e meu marido no de culinária. Minha única experiência com beleza tinha sido ainda criança, quando tentei fazer escova no cabelo da minha irmã mais nova e quase queimei ela com o secador. Por algum motivo, aquilo nunca saiu da minha cabeça. O primeiro módulo do curso era lavagem, hidratação e escova. As alunas tinham umas às outras para treinar. O professor nos incentivou a oferecer o serviço em casa, que funcionaria como uma renda extra com um segundo benefício: ficar perto das crianças que se recuperaram. Eu me destaquei no curso e resolvi empreender.
Meu marido terminou o curso e vendeu alguns bolos. Mas a gente morava em um apartamento pequeno para os dois começarem a trabalhar ali. Ia sair bolo com cabelo de cliente, e cliente com bolo no cabelo. Como ele conseguiu serviço na rua, acabou que a minha vida sofreu uma transformação mais profunda.
Transformei a copa e o banheiro do nosso apartamento pequeno em um salão improvisado. Comprei o creme de hidratação mais barato que tinha e comecei a oferecer o serviço recém-aprendido por apenas R$ 10. O secador e a prancha alisadora eu pegava emprestado com o Dara — era só deixar o nome e trazer de volta no mês seguinte para renovar o empréstimo.
Minha primeira cliente, que está comigo até hoje, agachava comigo dentro do box lá de casa para eu fazer o serviço. Até hoje rimos disso. Uma cadeira de escritório virou a de salão. Depois, meu marido comprou uma cuba de pia usada e improvisou um lavatório. Quando faltava água, algo bem frequente, tinha de reservar água em um galão e lavar o cabelo com uma canequinha. Não era fácil, mas não ia desistir.
Como morava em um prédio e o apartamento era de fundos, não podia anunciar meu serviço. Consegui as primeiras clientes no boca a boca. Aprimorei meus conhecimentos com outros cursos dentro do Dara, como os de colorimetria, de maquiagem e, por fim, o de depilação. No fim de cada um desses módulos, recebíamos kits para começarmos a trabalhar: secador, prancha de alisamento, tinturas de cabelo, maleta de maquiagem e panelinha e cera de depilação.
A realização dos sonhos
A equipe do Dara ainda me incentivou a escrever uma carta contando a minha história para pedir doação de equipamentos para trabalhar em casa, mas sem improviso. Minha carta foi acolhida por um doador da instituição, que me deu uma cadeira de salão e um lavatório de verdade, tudo novinho, direto da loja e com nota fiscal. Aquele foi um superincentivo para a minha nova carreira. Doei a cuba de pia improvisada e a cadeira de escritório para uma pessoa que estava começando a aprender.
Fico pensando que quando li aquele panfletinho do Instituto Dara achava que era um conto de fadas, coisa que só acontecia em novela. Quando a saúde da Paloma melhorou e eu passei a colocar dinheiro em casa, começamos a realizar sonhos.
Meu marido sempre quis ver de perto o Natal Luz de Gramado, no Rio Grande do Sul. Trabalhei dezembro inteiro com foco nisso e conseguimos, sem nenhum aperto, passar 20 dias viajando em 2019. Foi a nossa primeira viagem desse tipo. Minha filha, hoje com 12 anos, já demonstra vontade de trabalhar, mas eu não deixo. Lugar de criança é na escola. Ela estuda em colégio particular e vai superbem.
Saímos do apartamentinho. Uma cliente colocou a casa para vender e, com algum esforço e aperto nas contas — chegamos a vender o nosso carro — demos entrada e compramos. Fizemos uma obra. Moramos na parte de trás e Paloma tem um quarto só dela. Unimos a cozinha antiga à varanda da frente e fizemos um salão com entrada independente. Enfim, em 2022, coloquei meu salão na beira da rua, outro grande sonho.
Lá atrás, quando fui enganada e saí daquele emprego sem nenhuma perspectiva, tinha decidido com o meu marido que nunca mais trabalharia para ninguém, nunca mais seria esculachada. Hoje sou dona do meu próprio negócio. Minha mãe, que brigou comigo quando eu não quis voltar para Franca e resolvi casar, hoje tem orgulho de mim. Dos filhos dela, eu sou a única que não tem patrão.
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