Priorizar a Primeira Infância
Diversos estudos apontam que o investimento na primeira fase do desenvolvimento humano (0 a 6 anos), fase na qual grande parte da arquitetura cerebral de uma criança é desenvolvida, é um processo multidimensional que impacta positiva ou negativamente o futuro de um país em diferentes aspectos como os econômicos, de saúde, de educação e de proteção social. As intervenções e os investimentos no desenvolvimento físico, cognitivo, linguístico e socioemocional de crianças têm o potencial de compensar tendências negativas e proporcionar melhores resultados em termos de acesso à educação, qualidade da aprendizagem, crescimento físico e saúde e, consequentemente, em todas as dimensões sociais. O não desenvolvimento dessas habilidades pode levar a efeitos de longo prazo, muitas vezes irreversíveis e que mais tarde resultam em custos significativos tanto para as famílias como para o estado.
Indicadores de Desenvolvimento Humano
A associação entre pobreza e múltiplas áreas de desenvolvimento infantil indica a necessidade de intervenções estratégicas sob o risco de perpetuação da desigualdade e de ser um eterno obstáculo ao desenvolvimento das nações, na medida em que pessoas melhor preparadas têm maiores chances de superar a pobreza e isso afeta os indicadores de desenvolvimento humano e econômico de um país. Investimentos na melhoria da saúde física e mental reduzem a dependência do sistema de saúde e a possibilidade de engajamento em comportamentos de alto risco, incluindo atividades criminosas e violentas (Lynch, 2005*). “Early Childhood Investment Yields Big Payoff.” Policy Perspectives. San Francisco, CA: WestEd).
Impacto na educação
No âmbito da educação, crianças que não se beneficiam de intervenções de qualidade são mais propensas à repetência, ao abandono escolar e a ter baixo desempenho acadêmico. Tais fatores resultam num alto preço a ser pago por toda a sociedade, seja para as famílias que precisam manter seus filhos por mais tempo como dependentes, seja no uso do recurso público em um sistema ineficiente de ensino, mas, especialmente para as crianças e adolescentes que ao longo do tempo em que vivem dificuldades na vivência escolar, perdem, em algum grau, o interesse por aprender. Intervenções bem direcionadas na primeira infância são uma estratégia econômica para promover o acesso, permanência e a conclusão dos estudos na idade esperada, além de interferir na capacidade de formar relações positivas, expressar sentimentos, empatia, curiosidade, persistência e uso social da linguagem.
Políticas Públicas na Primeira Infância
No Brasil, apesar da enorme desigualdade econômica e social, há uma ampla gama de políticas públicas, programas e projetos voltadas às questões da primeira infância como o SUAS, o SUS, o Plano Nacional pela Primeira Infância, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança e o Plano Nacional de Educação, cuja meta 1 é voltada ao atendimento de crianças de 0 a 3 (creches) e de 4 a 5 anos (educação infantil). Um dos desafios a serem enfrentados na organização intersetorial das políticas voltadas para a primeira infância para um atendimento integral e formação de uma rede de proteção social é a articulação entre organizações sociais e as esferas nacional, estadual e municipal.
No Brasil, 32 milhões de crianças e adolescentes vivem na pobreza
Em 2023, a Unicef publicou o relatório As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil, apresentando dados de um estudo sobre como o agravamento da insegurança alimentar e da extrema pobreza afetam as crianças e adolescentes brasileiros. O estudo foi conduzido a partir da análise de oito indicadores que compõem a multidimensionalidade da pobreza, como acesso a direitos, saneamento, moradia, alimentação, educação, renda, informação e proteção contra trabalho infantil, demonstrando que o termo pobreza vai além da condição monetária. O estudo, além de mostrar que mais de 60% da população de até 17 anos vive na pobreza no Brasil, busca contribuir para o entendimento, diagnóstico e enfrentamento dos desafios para garantia dos direitos básicos de crianças e adolescentes, elencados na Constituição brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Acesse o relatório completo no site da Unicef.
Impactos da desigualdade na primeira infância
Outra publicação que ajuda a entender o cenário é Impactos da desigualdade na primeira infância do Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância e Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (2022). O documento mostra como as desigualdades socioeconômicas, educacionais e de saúde do país afetam o pleno desenvolvimento de milhões de crianças no Brasil com efeitos que podem durar por gerações. Outro assunto abordado é a importância de investir em ações e políticas intersetoriais (envolvendo várias áreas do governo), como saneamento básico, moradia com infraestrutura e água de qualidade, para garantir boas condições de vida às crianças.
Fonte: Núcleo Ciência pela Infância, a partir de dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSA, 2022).
Saúde e educação
O estudo aborda a evolução de indicadores socioeconômicos, educacionais e de saúde relevantes para o contexto da primeira infância no Brasil, destacando o aumento de desigualdades regionais, raciais e sociais nos últimos anos. O texto também aponta avanços necessários nas políticas públicas para a promoção da equidade na primeira infância. Com relação aos principais fatores de desigualdade educacional, são recomendadas algumas políticas públicas que podem ser eficazes para mudar esse cenário. Na área da saúde, o relatório aborda indicadores de saúde materna e infantil, efeitos negativos entre crianças de 0 a 6 anos e possíveis ações para diminuir as iniquidades. De acordo com o relatório, quando uma criança não alcança seu pleno desenvolvimento, ela perde, em média, 20% da renda individual na vida adulta.
A primeira infância no Instituto Dara
O Instituto Dara atua há mais de 30 anos na promoção da saúde, no desenvolvimento humano e combate à pobreza, aplicando a tecnologia pioneira do Plano de Ação Familiar (PAF), que executa uma atuação sistêmica com as famílias atendidas nos eixos da saúde, educação, moradia, cidadania e renda. O atendimento às famílias sempre teve como porta de entrada a saúde da criança e, especialmente, na saúde física e mental infantil.
A saúde mental infantil
Desde 2022, com o apoio da da Fundação Care about Children, e a partir das demandas trazidas pelo cenário de saúde mental na perspectiva da Pandemia da Covid-19, a equipe do Dara atua em um projeto de Recreação Psicopedagógica para Crianças, com atividades individuais e em grupo.
O objetivo do projeto é monitorar a saúde mental das crianças de 0 a 12 anos cujas famílias são atendidas pelo Instituto, a fim de intervir quando necessário e realizar os devidos encaminhamentos. Muitas crianças chegam ao Instituto com atrasos em seu desenvolvimento ou questões comportamentais que sinalizam que algo não está indo bem, podendo impedir que seu amadurecimento continue acontecendo de forma saudável. Das 226 crianças atendidas desde 2022, as cinco principais questões de saúde mental identificadas foram: ansiedade/depressão em 25,7% das crianças, 25,7% de autismo/suspeita de Transtorno do Espectro Autista (TEA), 14,3% de agressividade, 11,4% de autoagressão, 11,4% de retraimento e 11,4% das crianças vivenciam violência doméstica.
Como os pais podem ajudar no desenvolvimento infantil?
Além disso, uma parceria entre o Instituto Dara e o The Basics Learning Network teve como objetivo a aplicação de 5 princípios básicos no desenvolvimento da primeira infância para as famílias atendidas na organização. Controle do stress, falar, cantar, apontar, contar, agrupar, comparar, ler, contar histórias, incentivar o movimento e a brincadeira são algumas das orientações dadas às famílias para auxiliar no desenvolvimento das crianças de 0 a 3 anos.
“Durante a pandemia, trabalhamos esses princípios básicos com as famílias. No momento em que todos estavam em isolamento, sem creche e escolas funcionando presencialmente, foi uma forma dos responsáveis poderem auxiliar no desenvolvimento das crianças, mesmo em casa.” Fabiana Pádua, coordenadora de Psicologia do Instituto Dara
A insegurança alimentar na primeira infância
Ao longo de 2021, no Instituto Dara, o projeto “Cuidados integrais com mães e filhos na primeira infância” atendeu famílias com crianças de 0 a 6 anos. Foram 97 encontros para tratar de temas na área da saúde e nutrição, com o objetivo de compartilhar dicas de como contribuir para o desenvolvimento da criança na primeira infância. Entre as famílias atendidas, de 2021 à 2023, 89% das crianças de 0 a 6 anos apresentam questões ligadas à insegurança alimentar. Orientar as famílias para a otimização da compra de alimentos com maior valor nutricional e conscientizar sobre o aproveitamento integral de alimentos está entre os desafios da equipe do Instituto Dara.
“Meu nome é Joelma, tenho 40 anos. Sou avó de 3 crianças, inclusive da Laura que é assistida pelo Instituto. Moro em Magé e trabalho no Leblon. Tenho uma filha de 4 anos que se chama Maitê. Aprendi com vocês nas palestras algumas coisas, mas o que eu mais levei para o meu coração foi o tempo que eu não tinha com a minha filha. Eu chegava em casa cansada e tinha que fazer jantar. Comecei a chamá-la para me ajudar a fazer a comida. Claro, é uma bagunça, mas é válido, pois fico muito tempo fora de casa. Obrigada!”
A experiência do Instituto Dara pode auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas voltadas à primeira infância
Um exemplo da expansão do conhecimento construído a partir da experiência do Instituto Dara com a primeira infância é a parceria com a Prefeitura de Itu e o Instituto Tecendo Infâncias. No final de 2021, o Dara foi convidado a participar do Comitê Intersetorial da Primeira Infância do município. O grupo é formado por representantes de diversas Secretarias da Prefeitura, pelo Instituto Tecendo Infâncias e por diversos especialistas e representantes da sociedade civil. Esse Comitê foi responsável pela elaboração do Plano Municipal para a Primeira Infância de Itu (PMPI-Itu). O plano é um instrumento de planejamento intersetorial, de longo prazo, que tem como objetivo estabelecer diretrizes, metas e estratégias para a ampliação, qualificação e implementação de políticas públicas voltadas para gestantes, crianças de 0 a 6 anos e suas famílias, sobretudo àquelas em situação de vulnerabilidade. Em novembro de 2022, o PMPI-Itu foi aprovado pela Câmara de Vereadores e se tornou Lei Municipal.
Em novembro de 2022 o Dara assinou um contrato com o Instituto Tecendo Infâncias para capacitação dos profissionais das diferentes secretarias da Prefeitura do Município de Itu, na tecnologia social do Plano de Ação Social (PAF). O projeto iniciou em janeiro de 2023 com um diagnóstico territorial, seguido de diversos encontros de capacitação da metodologia. Na sequência, em abril a equipe da prefeitura fez uma imersão no Instituto Dara que culminou com 2 dias de co-criação para a customização do PAF em Itu. A próxima etapa do projeto é, em conjunto com as equipes técnicas das secretarias de Itu e o Instituto Tecendo Infâncias, criar as diretrizes para a implementação do PAF em Itu.
O Instituto Dara também faz parte da Rede Nacional Primeira Infância, ao lado de mais de 240 organizações de todo o Brasil. A RNPI é uma articulação nacional de organizações da sociedade civil, do governo e do setor privado que atuam pela promoção e garantia dos direitos da Primeira Infância.
*Lynch, 2005. “Early Childhood Investment Yields Big Payoff.” Policy Perspectives. San Francisco, CA: WestEd
Array