Por Priscila Rodrigues de Castro

Assistente social de expansão do Instituto Dara no Rio de Janeiro, Doutora em Serviço Social pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, priscilardcastro@gmail.com.

RESUMO: Este trabalho apresenta relatos de experiências sobre a articulação entre poder público e terceiro setor no âmbito de ações intersetoriais de combate à pobreza. Tem como objetivo refletir sobre a metodologia social Plano de Ação Familiar do Instituto Dara como potencialidade de intervenção e articulação multidisciplinar. Com base em uma leitura crítica da realidade social e as análises das iniciativas relatadas, permitiram concluir que mediante a multidimensionalidade da pobreza e acirramento da questão social é essencial a construção de intervenções mais efetivas, amplas e potentes no cotidiano das políticas públicas.  

Palavras Chave: Pobreza, desigualdade, intersetorialidade 

ABSTRACT: This work presents experience reports on the articulation between public power and the third sector in the scope of intersectoral actions to fight poverty. It aims to reflect on the social methodology of the Instituto Dara’s Family Action Plan as a potential for multidisciplinary intervention and articulation. Based on a critical reading of the social reality and the analysis of the reported initiatives, it was possible to conclude that, through the multidimensionality of poverty and the intensification of the social question, it is essential to build more effective, broad and powerful interventions in the daily life of public policies. 

Keywords: Poverty, inequality, intersectionality

1 – INTRODUÇÃO

O fenômeno da pobreza e os processos de desigualdade são multidimensionais e não podem ser explicados sem o desvendamento de suas raízes históricas, culturais e sua estrutura social. 

Diante da conjuntura política do país nos últimos quatro anos, somados às consequências do período pandêmico, a pobreza e suas mazelas assumiram contornos profundos e destrutivos na vida de grande parte da população. O agravamento das desigualdades sociais representa um desafio para o compromisso histórico assumido pelo Estado de erradicar a pobreza, firmado na Constituição Federal de 1988 em seus artigos 3º inciso “III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.   

 As iniciativas para combater a pobreza não são exclusivas do Estado. Sociedade civil, instituições, indivíduos e grupos se mobilizam com o objetivo de minimizar os impactos causados pela desigualdade no país. A partir de uma conceituação da pobreza, somada à prática metodológica desenvolvida pelo Instituto Dara, este trabalho tem como objetivo apresentar relatos de experiências de parcerias entre poder público e o terceiro setor, como referência para políticas públicas municipais intersetoriais de combate à pobreza. 

Baseado na perspectiva crítica, realizamos uma análise conceitual histórica numa perspectiva de totalidade. Do ponto de vista metodológico, foi realizada pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. O artigo está dividido em três seções: a primeira aborda as categorias  pobreza e desigualdade e sua centralidade para as políticas públicas no Brasil. A segunda seção aborda o enfrentamento da pobreza a partir da metodologia de trabalho intersetorial do Instituto Dara incorporada pelo poder público em dois municípios do país, e por meio de cooperação técnica à gestão nacional da política de assistência. A terceira e última seção faz uma reflexão sobre a importância da intersetorialidade para o enfrentamento à pobreza a partir do seu entendimento como fenômeno multidimensional.       

2 – POBREZA E DESIGUALDADES COMO REFERÊNCIAS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL.

Sabemos que como categoria teórica o conceito de pobreza tem um vasto universo de abordagens, muitas vezes divergentes. Portanto, adotaremos o conceito de pobreza de forma ampla, sob um ângulo multidimensional, perspectiva que compreende os seus desdobramentos que têm impactos multidimensionais na vida dos sujeitos e que caracterizam a precariedade das condições de vida de indivíduos e  famílias.

A pobreza se relaciona à questão social, conceito que também carece de definição. De acordo com Iamamoto (2008) a questão social se relaciona aos resultados da divisão da sociedade em classes e de suas lutas frente a forma como a riqueza socialmente produzida no capitalismo é desigualmente distribuída. Na atualidade ela assume novas configurações e expressões, que se materializam em necessidades sociais e na luta pelo reconhecimento de direitos. 

Yazbek (2012, p.289) entende a pobreza como “uma das manifestações da questão social, e dessa forma como expressão direta das relações vigentes na sociedade”, onde o “padrão de desenvolvimento capitalista, extremamente desigual” produz simultaneamente riqueza e miséria. Em suas palavras podemos perceber o fator multidimensional da pobreza: 

Os “pobres” são produtos dessas relações, que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural, definindo para eles um lugar na sociedade. Um lugar onde são desqualificados por suas crenças, seu modo de se expressar e seu comportamento social, sinais de “qualidades negativas” e indesejáveis que lhes são conferidas por sua procedência de classe, por sua condição social. Este lugar tem contornos ligados à própria trama social que gera a desigualdade e que se expressa não apenas em circunstâncias econômicas, sociais e políticas, mas também nos valores culturais das classes subalternas e de seus interlocutores na vida social. 

Desta forma, e de acordo com as definições da mesma autora, podemos compreender que pobreza “certamente não se reduz às privações materiais” (Yazbek, 2009, p. 73‑74) ela possui um caráter histórico e determina uma condição de classe. Entendida assim, a pobreza não pode ser naturalizada, pois é um fenômeno socialmente construído. 

A multidimensionalidade atribuída a ela envolve também a ausência de acesso aos direitos sociais, a falta de oportunidades, pouco acesso à informação, enfim, de todos os fatores que proporcionam os mínimos sociais para a sobrevivência e dignidade humana. Desta forma para Yazbek:

[…] são pobres aqueles que, de modo temporário ou permanente, não têm acesso a um mínimo de bens e recursos, sendo, portanto, excluídos, em graus diferenciados, da riqueza social. Entre eles estão: os privados de meios de prover à sua própria subsistência e que não têm possibilidades de sobreviver sem ajuda; os trabalhadores assalariados ou por conta própria, que estão incluídos nas faixas mais baixas de renda; os desempregados e subempregados que fazem parte de uma vastíssima reserva de mão de obra que, possivelmente não será absorvida” (Yazbek, 2009, p. 73‑74)

Para Aldaísa Sposati a pobreza se relaciona com outros determinantes, “[…] refletindo os hábitos, valores e costumes de uma sociedade”, porém, encontram uma forma para sua mensuração: “Os indicadores utilizados para estimar o grau de pobreza de uma sociedade partem de medidas quantitativas comparativas, demarcando os estratos sociais que enfrentam os mais baixos padrões de vida” (SPOSATI, 1997, p.13).  

O que nos leva à definição das desigualdades sociais, para Yazbek, a desigualdade social é uma “qualidade relativa da pobreza”, somada a ela existem condições que a reiteram e a aprofundam, como a conformação de gênero, etnia, sexualidade, procedência dentre outros aspectos (Yazbek, 2012, p. 290). 

Essas desigualdades no Brasil são ampliadas com a histórica concentração de renda por poucas pessoas. Podemos concluir que a pobreza no Brasil necessariamente se vincula às desigualdades sociais e à gigantesca diferença de distribuição de renda. Importa destacar que apenas com a redistribuição de seus recursos é possível falar em equidade no país.  

A pobreza tem sido parte constitutiva da história do Brasil, assim como os serviços e formas para o seu enfrentamento sempre resultaram insuficientes e pontuais. A formação da proteção social brasileira é muito recente e diversa daquelas construídas pelos países europeus, visto o seu perfil de instabilidade democrática. Desta forma, mesmo não cabendo neste trabalho abordar essa trajetória a construção de  políticas de acesso a bens e serviços sociais também reforçou a característica desigual, heterogênea e fragmentada da realidade brasileira. 

Cumpre destacar que ao longo dessa construção histórica de proteção e seguridade social brasileira alguns avanços foram conquistados. Principalmente devido às lutas e movimentos da sociedade por seus direitos e sua inclusão na agenda política e econômica. 

Portanto, cabe às Políticas Sociais Públicas o enfrentamento das vulnerabilidades sociais às quais a população está sujeita. No Brasil, compondo o âmbito da Seguridade Social, o Sistema Único da Assistência Social (SUAS)  possibilita a estruturação e organização dos elementos essenciais para a execução da Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2005), política pública voltada ao atendimento das situações de vulnerabilidade e risco social. As ações tem por objetivo proporcionar a garantia dos mínimos sociais aos indivíduos e grupos de acordo com suas necessidades e dentro de seus territórios de convívio social.

A execução da PNAS se dá necessariamente de forma articulada a outras políticas públicas e, de acordo com a Lei Orgânica de Assistência Social (1993), propõe um conjunto integrado de ações e iniciativas do governo e da sociedade civil para garantir a provisão da proteção social para quem dela necessitar. 

Desta forma o SUAS traz em sua gestão de serviços a noção de atendimento em rede, que articula as ações do Estado às ações ofertadas pela sociedade civil. A Norma Operacional Básica do SUAS (2012), que sistematiza a gestão pública da política de assistência social no território brasileiro, define que:  

A rede socioassistencial é um conjunto integrado de iniciativas  públicas e da sociedade, que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de complexidade (NOB/SUAS, 2005, p.22). 

A rede socioassistencial é formada por unidades estatais de referência (Centros de Referência de Assistência Social- CRAS e Centros de Referência Especializados em Assistência Social  – CREAS), por unidades municipais/estaduais e por entidades prestadoras de serviços socioassistenciais, devidamente  inscritas no Conselho de Assistência Social. Portanto, mesmo cabendo ao Estado a responsabilidade do desenvolvimento e execução do SUAS, as entidades e organizações com caráter de atendimento socioassistencial se inserem na rede de serviço para o fortalecimento complementar do atendimento às desproteções sociais.

De forma geral, essa ação em rede é desenvolvida com o objetivo de ampliar as formas de proteção social através do acesso aos direitos sociais dos sujeitos. Falamos, portanto, da possibilidade de maior alcance para efetivação dos objetivos da política social. 

Neste sentido, relatamos a seguir experiências exitosas de transmissão de metodologia de ação de combate à pobreza estabelecidas entre setor público e sociedade civil na perspectiva de uma Instituição intersetorial de acompanhamento familiar  na cidade do Rio de Janeiro. 

3 – PLANO DE AÇÃO FAMILIAR, UMA METODOLOGIA INTERSETORIAL DO INSTITUTO DARA

O Instituto Dara é uma organização da sociedade civil criada há trinta e  um anos pela médica Drª Vera Cordeiro com um grupo de profissionais do Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, e que possui experiência consolidada no combate à pobreza desenvolvendo uma metodologia de acompanhamento familiar específica, aplicada nos projetos gerenciados pela instituição na cidade do Rio de Janeiro.  

O Plano de Ação Familiar (PAF) é uma metodologia multidisciplinar e intersetorial criada pelo Instituto Dara, atuando sob duas diretrizes: matricialidade sociofamiliar e foco no atendimento integral com intervenções intersetoriais.

A metodologia de atendimento pelo PAF consiste na criação de atividades integradas entre a família e os profissionais, distribuídos dentro de cinco áreas: Saúde (medicina, nutrição e psicologia), Geração de Renda, Cidadania (serviço social e direito), Educação e Moradia. Além disso, a metodologia conta com o auxílio de uma gama de voluntários, que fazem a acolhida das famílias e uma variedade de ações dentro do Instituto.  

O acompanhamento familiar através do PAF envolve os profissionais  das cinco áreas e as famílias atendidas com o objetivo de superar as dificuldades encontradas em cada caso pelo alcance de objetivos/metas. Em todo o processo, a metodologia ressalta a valorização da liberdade e da autonomia das famílias na construção de seu próprio plano. 

O plano é registrado no sistema informatizado desenvolvido pela organização para o monitoramento e acompanhamento das metas traçadas com as famílias. O que permite, além de verificar o desenvolvimento familiar individual, traçar um panorama geral de indicadores sociais das famílias atendidas pelo Instituto.

 Segundo pesquisa da Universidade de Georgetown, EUA, realizada em 2013, o PAF foi pioneiro em comprovar a interrelação dos determinantes sociais de saúde para a superação da pobreza. De três a cinco anos após a conclusão do programa, houve uma redução de 86% do número de dias de internação de crianças no hospital público – Hospital da Lagoa – e um aumento da renda familiar em 92%. Antes do programa, somente 28% tinham casa própria, e de três a cinco anos após a alta, o índice passou para 50%. 

A metodologia criada pelo Instituto Dara ganhou relevância e conquistou não apenas reconhecimento no âmbito do terceiro setor, como também estabeleceu parcerias exitosas com o setor público no Brasil. Em seus trinta e um anos, mais de 85 mil pessoas foram atendidas diretamente, e um milhão indiretamente em quatro continentes, através do trabalho de organizações que utilizam nossa metodologia.

Atualmente temos cinco organizações licenciadas na metodologia e utilização do sistema do Instituto Dara, sendo: Instituto C; Pequena Cruzada; Refazer; Responder; Saúde Criança Ilha do Governador. Consultoria na Metodologia e Licenciamento de Uso do Sistema Instituto Dara para Girl Move Academy em Nampula, Moçambique. Além disso, também tivemos uma experiência internacional de expansão da metodologia nos Estados Unidos, através de um acordo de cooperação internacional com a Universidade de Maryland, em Baltimore.   

Pensando em formas de multiplicar essa metodologia, o Instituto criou a área de Expansão, setor responsável por disseminar e compartilhar o Plano de Ação Familiar (PAF), ao lado de instituições e organizações que manifestem o interesse em sua  execução. Relatamos de forma breve algumas dessas iniciativas com o poder público.  

3.1. Iniciativa de BH/MG 

Em 2001, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte implantou o Programa BH Cidadania (PBHC) por meio do Decreto Nº 11.917, de 1º de janeiro de 2005, tendo como objetivo ampliar o acesso da população aos serviços públicos da área social. No ano de 2008 houve a incorporação do Projeto Municipal Família Cidadã – BH Sem Miséria ao PBHC. Essa ação e articulação teve como foco acompanhar as famílias mais vulneráveis residentes nos territórios de atuação do Programa BH Cidadania. 

Para o desenvolvimento deste acompanhamento a Prefeitura de BH firmou um convênio entre o Instituto Dara, que neste período chamava-se Associação Saúde Criança (ASC), para adotar a metodologia PAF no âmbito do Projeto Municipal Família Cidadã – BH Sem Miséria. Com intuito de potencializar as ações ofertadas às famílias beneficiárias e viabilizar o alcance e a ampliação do projeto. No ano de 2012 ele foi instituído por meio do Decreto Municipal Nº 14.878, de 02 de abril de 2012. 

Destacamos que a experiência em Minas Gerais proporcionou o desenvolvimento da intersetorialidade no município, foram criados espaços de diálogo e trocas intersetoriais, grupos de trabalho, fóruns, comitês, dentre outros. Além disso, foram criadas articulações com instituições de ensino e de pesquisa, como a Escola de Governo e a Fundação João Pinheiro. As secretarias municipais envolvidas se comprometeram publicamente com o desenvolvimento do projeto através de assinatura de termo de cooperação e o estabelecimento de metas e indicadores.  

De acordo com Barbosa (2017) inicialmente o projeto se desenvolveu no formato piloto no CRAS Jardim Felicidade no ano de 2008, acompanhando trinta famílias que se enquadravam em um perfil de alto índice de vulnerabilidade social. Segundo a autora, no ano de 2010, mais vinte e cinco CRAS foram incluídos para o desenvolvimento do projeto, o que permitiu que setecentos e cinquenta famílias fossem atendidas. A primeira versão, já no formato de Projeto Família Cidadã, aconteceu no CRAS Santa Rosa no período dos anos de 2012 a 2014.

Sobre a metodologia, o coordenador do Programa BH Cidadania afirmou: “o formato do PAF se assemelha ao modelo de acompanhamento preconizado pelo PAIF, mas a principal diferença consiste na participação das outras políticas sociais no processo de acompanhamento” (MOURÃO, PASSOS, FARIA, 2011).

Cabe relato de um integrante da equipe de apoio à gestão e execução do projeto, sobre a metodologia intersetorial do Dara aplicada a realidade da política pública em Minas: 

[…]vale registrar que o projeto funcionou como experiência de fortalecimento do trabalho intersetorial entre os agentes públicos, seja pelo registro conjunto do PAF pelas políticas de Assistência Social, Educação e Saúde, seja pelas Rodas de Conversas com a discussão e socialização dos desafios e experiência de ações intersetoriais exitosa. Certamente podemos afirmar que esse é um caminho sem volta, posto que o foco de atuação sobre as famílias vulneráveis exige um olhar transdisciplinar, colaborativo. O projeto mostrou que não podemos pensar na superação da pobreza e miséria sem uma atuação que abranja diversos aspectos, para além da oferta de renda (SILVA, 2018, p. 82). 

Podemos destacar que a aplicação da metodologia desenvolvida pelo Instituto Dara conseguiu, neste contexto e experiência, desenvolver de forma concreta a articulação intersetorial entre políticas públicas para o atendimento de famílias em vulnerabilidade social.  

3.2. Iniciativa de Itu/Sp 

Ressaltamos que é uma experiência ainda em desenvolvimento, mas que se destaca mediante os impactos positivos já percebidos pela equipe de gestão das políticas públicas de Itu, no estado de São Paulo. 

No início de 2022 o Dara foi convidado a participar do Comitê Intersetorial da Primeira Infância do município, grupo formado por representantes de diversas Secretarias da Prefeitura, pelo Instituto Tecendo Infâncias – iniciativa de filantropia que incentiva ações inovadoras, sistêmicas e de longo prazo, apoiando e complementando ações já realizadas por outras entidades e órgãos públicos nos territórios – e por diversos especialistas e representantes da sociedade civil. Esse Comitê foi responsável pela elaboração do Plano Municipal para a Primeira Infância de Itu (PMPI-Itu), um instrumento de planejamento intersetorial, de longo prazo, que tem como objetivo estabelecer diretrizes, metas e estratégias para a ampliação, qualificação e implementação de políticas públicas voltadas para gestantes, crianças de 0 a 6 anos e suas famílias, sobretudo àquelas em situação de vulnerabilidade. Em novembro de 2022, o PMPI-Itu foi aprovado pela Câmara de Vereadores e se tornou Lei Municipal.

 Neste mesmo período o Dara assinou um contrato com o Instituto Tecendo Infâncias a parceria estabeleceu um plano de ações que envolvia capacitação dos profissionais das diferentes secretarias da Prefeitura do Município de Itu, na tecnologia social do PAF (Plano de Ação Social). 

Este planejamento contemplava também, o acompanhamento da implementação da metodologia durante doze meses. Assim como realizar a avaliação dos resultados e lições aprendidas do projeto de acordo com os indicadores construídos pelo Instituto e aqueles acordados com a equipe de implantação do PAF no município. 

A implantação conta com algumas etapas já concluídas e outras a serem desenvolvidas, a primeira etapa contou com o diagnóstico das políticas públicas locais e a cobertura e tipos de serviços e como desenvolvem a articulação intersetorial. Um segundo momento, também já concluído, foi a capacitação da equipe de gestão do projeto. Atualmente o projeto encontra-se na etapa de acompanhamento e monitoramento da implementação, percebendo que algumas mudanças e alterações foram necessárias para a adaptação da metodologia na realidade e particularidade municipal. A última etapa do projeto tem como objetivo avaliar os impactos e os resultados alcançados pelas políticas públicas no município de acordo com o objetivo de combate a pobreza e desenvolvimento humano. 

Percebemos através de relatos dos próprios servidores municipais, como, mesmo o projeto estando nas etapas iniciais, o estabelecimento de articulações entre as secretarias já se desenvolveu de forma mais qualificada. Outro ponto importantíssimo é a intenção da equipe de gestão do projeto de que ele vire um projeto de lei municipal com todas as prerrogativas para que a metodologia PAF se transforme em uma política pública no município. 

Ao adotar o PAF como metodologia de atendimento e acompanhamento, o município de Itu se destaca por oferecer um atendimento multidisciplinar e integral às famílias, promovendo a inclusão social e otimizando as políticas públicas oferecidas.

3.3. Iniciativa com a SNAS

No ano de 2021 iniciamos um Plano de Trabalho com a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). Este plano, que ainda está em desenvolvimento, tem como objetivo desenhar estratégias e ferramentas metodológicas que qualifiquem o trabalho social com famílias em execução nos CRAS complementando os cadernos de orientações técnicas do governo federal que direcionam de forma conceitual as ações adotado pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF). 

O plano se materializou em um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre o Dara e a SNAS e tem como finalidade a elaboração de um guia para instrumentalizar o PAIF, a partir da metodologia intersetorial PAF.

Para tanto, realizamos escuta cuidadosa das equipes que executam o PAIF nos CRAS em alguns municípios do país anteriormente selecionados pela SNAS. Como forma de sistematizar as informações, a equipe de expansão do Dara elaborou um registro identificando as principais inovações e propostas para subsidiar a elaboração posterior do guia nacional. 

Foram entrevistadas equipes da Política de Assistência Social de quatro estados e posteriormente de quatro municípios do país: Clevelândia (PR), Inajá (PR), Itu (SP) e São José do Rio Preto (SP). Os principais elementos que nortearam os diálogos e escutas das experiências foram: a intersetorialidade, as estratégias de inovação no acompanhamento familiar e os desafios. 

A coleta das informações possibilitou o relato das ações práticas no cotidiano de desenvolvimento do PAIF de cada CRAS. O roteiro semiestruturado percorreu alguns pontos que se voltavam à compreensão do território, ao planejamento da oferta do serviço, sua execução e operacionalização. 

As experiências até o momento analisadas, apontam para uma série de dilemas e desafios na execução cotidiana deste serviço. Adiantando a reflexão e apenas apontando o registro das escutas constatamos a fala frequente, entre as equipes dos municípios, sobre a grande dificuldade de aderência e do próprio restabelecimento dos vínculos das famílias ao acompanhamento no período pós-pandemia. 

As realidades dos municípios, mesmo sendo diversas, tanto nas formas de financiamento, quanto no número de pessoas atendidas, em estratégias de planejamento e de ação, acabam se assemelhando no enfrentamento dos desafios que atravessam a política social. Enfim, muitas semelhanças dentro dos desafios, mas a escolha por uma abordagem multidimensional e intersetorial pode ser mais efetiva  na construção de soluções para enfrentar essas dificuldade

Desta forma, pretendemos abordar e instrumentalizar de forma efetiva, criativa e prática às ações de acompanhamento familiar nos CRAS do Brasil materializadas em um guia metodológico, instrumento que pode potencializar a ação na ponta dos serviços.   

4 – A INTERSETORIALIDADE COMO DESAFIO AO ENFRENTAMENTO DA POBREZA NO BRASIL

Neste ponto reforçamos que a noção de intersetorialidade é essencial para as ações de políticas públicas de combate à pobreza. No entanto, este conceito deve extrapolar a sua compreensão categórica e se efetivar nas ações cotidianas concretas de atendimento à população para a superação das desigualdades e da pobreza. Percebemos e não negamos a diversidade de desafios e limites para que estratégias intersetoriais se concretizem nos serviços públicos.

Não existe pretensão de estabelecer ou traçar um quadro relativo a efetividade ou a eficiência de tais estratégias nas experiências relatadas com o uso da metodologia intersetorial do Dara. Mas registrar experiências concretas que buscam superar práticas segmentadas e focalistas ampliando o olhar para o entendimento da pobreza em sua multidimensionalidade. 

A convergência de fatores e dimensões que desencadeiam processos de desigualdades gerados pela pobreza devem ser enfrentados por meio de ações tanto do terceiro setor como das políticas públicas, observando essa multiplicidade e abrangência. Ações que propõem superar a pobreza exigem intervenções diversificadas e combinadas que contemplem a maior gama dessas dimensões que afetam a vida dos sujeitos em vulnerabilidade. No âmbito público esse desenho se relaciona com estratégias que minimamente abarquem distintos setores estratégicos e políticas públicas de atendimento à população. 

De outra forma, falamos aqui de estratégias que sejam capazes de atuar de maneira conjunta, mas não é o simples fato da junção de setores e serviços que representa a estratégia intersetorial. O enfrentamento à pobreza supõem direcionamento integral dos setores, superando as ações segmentadas, focalistas e, antes de tudo, superando as percepções ideológicas sobre pobreza. Falar  de intersetorialidade é aproximar a compreensão da totalidade dos processo sociais que compõem a vida dos sujeitos e suas famílias. A complexidade e diversidade de dimensões da vida social e suas demandas deve ser correspondida através do atendimento articulado das políticas de direito de forma integrada.  

A intersetorialidade neste sentido, diz respeito ao desenvolvimento de uma forma e abordagem metodológica de trabalho dentro das políticas públicas, com o objetivo final de superar a fragmentação dos conhecimentos. No entanto, ela exige uma articulação setorial de seus atores que muitas vezes não estão sensibilizados para o desenvolvimento deste tipo de trabalho, pois carece de repensar as práticas profissionais, revisitar modos de intervenção e reflexão para a proposição de novos formatos de ações conjuntas. 

As formas de comunicação e fluxos de trabalhos intersetoriais são problemáticas que necessariamente vão surgir como desafios, porém, é urgente enfrentar esse dilema e realizar o diálogo entre as equipes técnicas. Neste sentido, programas, projetos, equipes técnicas são desafiados ao diálogo, ao trabalho conjunto com a perspectiva da inclusão social” (NASCIMENTO, 2010, p.100).

A adoção de estratégias e metodologias efetivamente intersetoriais na política pública ataca os fatores que conformam a multidimensionalidade da pobreza, de outra forma, o enfrentamento à multidimensionalidade da pobreza se dá pela mediação de seu oposto, a intersetorialidade.

Realizar uma ação metodológica que articule as políticas públicas sociais demanda a revisão e a possibilidade de mudança de práticas, ideologias, conceitos, valores, enfim, de uma mudança cultural sobre as práticas cotidianas de trabalho e procedimentos. Além de estabelecer parcerias incorporando iniciativas efetivas de organizações e instituições que compartilham os mesmos objetivos e interesses coletivos e que podem contribuir somando maior eficácia à gestão das políticas públicas. 

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ampliação brusca da pobreza extrema vem impactando sobremaneira as formas de seu enfrentamento. O desemprego e a fome voltaram a ser uma realidade que dificulta e até mesmo impossibilita a percepção da própria família sobre suas capacidades  de desenvolvimento.

São inúmeros os desafios, tanto para o setor público como para a sociedade civil, porém, metodologias de ação e de enfrentamento efetivas se fazem cada vez mais necessárias. Por isso, a estratégia de expandir uma experiência bem sucedida como a metodologia intersetorial PAF criada pelo Instituto Dara, em meio a políticas públicas, é uma oportunidade potente para agir na ponta dos serviços públicos.    

Partindo do entendimento de que a pobreza não pode ser equacionada apenas como fruto da ação de uma política pública, uma vez que as causas de sua produção e reprodução são parte da dinâmica desta sociedade, o seu equacionamento envolve uma diversidade de políticas públicas econômicas, políticas, estruturais, culturais dentre outras. 

O objetivo do Instituto Dara é mitigar o agravamento das vulnerabilidade através da instrumentalização das famílias para enfrentar os processos de desproteção social minimizando situações de risco e violações de direitos. Por isso, o Instituto Dara compreende que a diversidade de vulnerabilidades que as famílias experimentam devem ser enfrentadas com ações de caráter multidimensionais e integradas. Desta forma essas ações, como parte de um plano familiar, podem ser determinantes para a redução das desigualdades, para ampliar a qualidade de vida e reforçar a garantia da condição de cidadania dessas famílias.  

Realizar parcerias com entidades prestadoras de serviços é reafirmar o compromisso com os objetivos de cidadania, nesse modelo o setor público amplia suas possibilidades de inovação e reorienta modos de intervenção, recorrendo a experiências e expertises do terceiro setor como recursos para o desenvolvimento de suas ações.

REFERÊNCIAS

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