Este artigo foi originalmente publicado em www.cieds.org.br

Rocinha era, até pouco tempo, considerada a maior favela do Brasil e se encontra entre os bairros de maiores PIB do Rio de Janeiro, cercada pela Floresta da Tijuca e o mar de São Conrado. É uma favela com uma intensa dinâmica comercial, cuja atividade econômica é maior que 90% das cidades brasileiras – além de apresentar potencial turístico e um lifestyle que dialoga e contribui para o soft power carioca.

Ignorar as favelas por tanto tempo custou caro ao Rio de Janeiro. Se os serviços públicos básicos de saúde, assistência social, educação, saneamento e urbanização (entre outros) não chegavam ou chegam precariamente, era inimaginável que outras políticas públicas fossem direcionadas para estes territórios: em especial voltadas à produção de conhecimento, Ciência Tecnologia e Inovação (CT&I) e meio ambiente e sustentabilidade.

O mesmo ocorre para os recursos privados que, sob o disfarce de “reputação da marca”, evitam destinar ações de investimento social atrelado aos contextos de favelas – salvo aquelas dentro de suas áreas de abrangência ou por força de cumprimento de medidas compulsórias de ajustamento de conduta. Quanto à natureza dos projetos destinados às favelas pelas empresas, estes continuam apresentando características assistenciais, cujo mérito é inquestionável por essência, mas que padecem da descontinuidade pela necessidade recorrente de recurso, levando a resultados pontuais.

O Rio de Janeiro deu o primeiro passo para quebrar essa lógica ao unir inovação e favela como política pública. Em uma chamada inédita, o Governo do Estado, através da Fundação de Amparo e Pesquisa do Rio de Janeiro – FAPERJ, destinou recursos para o processo de desenvolvimento territorial na Rocinha. O objetivo era incentivar a geração de projetos, negócios e soluções, estimulando a criação de uma ambiência empreendedora e de inovação na comunidade e dando forma a projetos experimentais e de negócios considerando o potencial criativo da Rocinha. Esse piloto foi essencial para a formação das bases do Parque de Inovação Social, à medida que os projetos se desenvolvem e se desdobram.

Foto originalmente publicada no site do Cieds. Vandré Brilhante, diretor presidente do CIEDS, durante a inauguração do Parque de Inovação Social, Tecnológico e Ambiental da Rocinha

Inspirado em modelos como Medelín (Colômbia), Santa Rita do Sapucaí (Minas Gerais) e de outros parques científicos e tecnológicos ao redor do mundo que se integram ao território, o PISTA nasce em um formato que respeita a geografia da Rocinha. Com uma estrutura descentralizada, o que o diferencia é sua essência pautada no socioambiental, que considera os fazeres e saberes praticados na comunidade e, sempre que possível, agrega e reconhece tecnologias.

De forma resumida, o PISTA tem como missão gerar tecnologias sociaisdesenvolver negócios de impacto e fortalecer a qualificação profissional em temáticas emergentes, atuando como um catalisador junto a rede de agentes que compõem uma quádrupla hélice e tendo os moradores como propulsores deste mecanismo. É a junção destes agentes que determina o sucesso dessa iniciativa e promove a inovação alicerçada na sustentabilidade.

Três das quatro hélices do PISTA estão bem representadas no arranjo destes agentes:

  1. 1. o Governo, principal incentivador da iniciativa por meio da FAPERJ e da Secretaria Estadual de Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro – SEAS;

  2. 2. as Universidades, na figura da PUC-Rio e da UFRJ, que atuam na formação e também no processo de monitoramento e avaliação do impacto desta política pública no território;

  3. 3. e a Sociedade Civil, representada pelo CIEDS como gestor do Parque, e com contribuições de outras organizações, em especial as locais.

A última hélice, representada pelas empresas, é o desafio deste modelo. Em outros parques de inovação e científicos, as empresas geralmente estão inseridas fisicamente nas dependências destes ambientes através dos seus centros de PD&I, ou mesmo com unidades e plantas de produção. No PISTA Rocinha, a forma de interação e integração destas grandes empresas é por meio de suas ações de responsabilidade social, de suas políticas de ESG implementadas neste território ou projetos de inovação.

Como funciona o Parque de Inovação Social, Tecnológica e Ambiental da Rocinha?

PISTA está estruturado em cinco áreas: Escritório de projetos e negócios, Geradora de negócios, Living Lab, Observatório e Laboratório de saberes. Cada unidade do parque tem um papel específico e complementar nas ações.

Como todo ambiente de inovação, há ainda o desafio de pensar a sustentabilidade econômica para suportar sua operação.  Inicialmente, os investimentos das empresas (por meio das ações de Responsabilidade Social, ESG ou mesmo de Termos de Ajustamento de Conduta) e do Governo (por editais, termos de cooperação e chamadas públicas) são formas de viabilizar a operação do PISTA nos primeiros anos. Recursos captados de organizações internacionais com foco no desenvolvimento socioambiental também compõem a proposta inicial.

A aplicação dos recursos é destinada para ações específicas e se concentram em:

  1. 1. geração ou desenvolvimento de negócios de impacto;

  2. 2. experimentação de projetos com foco socioambiental;

  3. 3. e na formação de pessoas.

Dessa forma, o PISTA retroalimenta uma cadeia e um círculo virtuoso dentro da comunidade, onde negócios contratam pessoas, pessoas qualificadas criam projetos experimentais ou empreendem e projetos experimentais viram negócios ou tecnologias replicáveis. Tudo isso é acompanhado pelo Observatório que, além de monitorar, atua também como um think tank e faz ponte entre a Universidade e a favela.

Para estruturar esse modelo e engajar a participação da comunidade na concepção e tomada de decisão das ações do parque, é necessário um modelo de governança compartilhada. A governança deve não só garantir os desejos da comunidade, mas também ser gerida por ela, além de prover para todos os envolvidos a transparência e a evolução do modelo. A governança abriga o pacto entre comunidade e investidores.

A construção do PISTA  é resultado de um trabalho que, aos poucos, vem colhendo frutos. Incontáveis visitas, conversas e arranjos ao longo do tempo, muitos aplausos, reconhecimentos e incentivos. No entanto, há barreiras que ainda necessitam ser transpostas, como reduzir a miopia das organizações sobre a favela, romper crenças sobre a inovação em contextos diferentes do que costumamos ver e, ainda, reforçar a compreensão que as favelas são parte da solução para um mundo mais sustentável.

O que tem nos movido, para além de acreditar e ver que é possível? A ousadia e o acolhimento dos que lá na favela passaram a acreditar no parque, tornando o desafio coletivo instigante e prazeroso, mesmo que incerto. Afinal, ousadia e colaboração são componentes essenciais para a inovação e, sejamos francos: isso nunca faltou nas favelas.

Conheça mais sobre projetos implementados pelo CIEDS aqui.

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